sexta-feira, 12 de setembro de 2025

SOBREVIVENTES

 Segundo dados do Relatório de Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens (CASA) 2024 divulgados pelo Governo, em 2024 o número de crianças e jovens em risco retiradas à família baixou para 6349, menos 97 face a 2023. Na resposta a estas situações o acolhimento familiar aumentou 37%, 263 para 361, baixou o número de crianças e jovens colocadas em casas de acolhimento,  5983 em 2023 para 5678 em 2024, e também aumentou a colocação em apartamento de autonomização, de 200 em 2023 para 310 em 2024..

É sempre com um sobressalto de inquietação que nos confrontamos com este universo, as famílias que o não são, maltratam os seus filhos e, ou, negligenciam o seu cuidado e de múltiplas forma, por vezes com grande violência.

Registe-se o recente caso de uma criança com 12 anos encontrada na estrada em fuga, descalça, de uma família que o maltrata e cujos efeitos o seu corpo mostrava.

Na sua grande maioria, as famílias maltratantes e negligentes têm no seu seio crianças indesejadas, não amadas, por vezes sem condições económicas e de saúde, e com um sistema de valores desajustado, no mínimo. Neste quadro, as crianças serão uma espécie de fardo em quem se cobra, são fracas, o desconforto e a miséria, física ou psicológica. No entanto, também se pode entender que a necessária medida de protecção das crianças, retirá-las, acaba por ter o efeito perverso de “premiar” as famílias, vêem-se livres daquela criança que não desejaram, de quem não gostam e que é um peso. É certo, insisto, que a retirada se destina a proteger a crianças mas, perversamente, “premeia” e alivia a família, ou seja, o crime compensa, muitas vezes não tem “castigo”

Esta situação ocorre também, por vezes, em casos de violência doméstica, em que se retira a vítima e se mantém o agressor no aconchego do lar.

Caricaturando um pouco em algo de muito sério, gostava de tentar descobrir uma maneira de, em vez de retirar a criança da família e institucionalizá-la, fazer ao contrário, retirar a família à criança e institucionalizar a família, assim como, nos casos de violência doméstica conseguir, por princípio, manter a vítima em casa e retirar o agressor.

Pensando nas crianças e jovens envolvidos em situações desta natureza, não sabemos, evidentemente, o que vai ser o seu futuro embora queira acreditar que na sua maioria vão sobreviver. O mundo está cheio de histórias de crianças sobreviventes, felizmente porque sobrevivem, infelizmente porque trilham uma estrada cheia de obstáculos. Às vezes, tragicamente, inultrapassáveis.

Vão sobrevivendo à pobreza e a famílias que as não merece e delas não cuida, ao insucesso e abandono escolar, a uma institucionalização muitas vezes sem projecto de vida. Importa não esquecer que maus tratos a crianças não acontecem apenas nas famílias mais pobres.

Sobrevivem a maus tratos e negligência que umas vezes são conhecidos mas não minimizados e outras mais são desconhecidos pelos serviços e pela estatística, constituindo aquela percentagem que a sondagem nunca mostra como diz Sam The Kid.

Pois a verdade é que a grande maioria destes putos vai dar a volta por cima, vai construir um futuro que, de alguma maneira, mereça ser vivido. Muitas histórias que conhecemos são de tal forma dramáticas que causam a maior das perplexidades verificar como os miúdos lhes sobreviveram, com base nos seus mecanismos de protecção internos e, certamente para alguns, com um anjo da guarda por perto.

Se estivermos atentos, todos os dias nos cruzamos com um sobrevivente, anónimo, desde sempre, para sempre.

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