Uma das questões mais críticas dos tempos que vivemos é o excesso de tempo passado em frente a um ecrã por parte dos mais novos ainda que não seja apenas nestas idades que tal se verifica.
Na imprensa de hoje surgem duas
referências que, mais uma vez alertem para os riscos desta sobreexposição. A
primeira referência é de um texto de Pedro Afonso no Observador, “ Scroll infinito: uma nova droga digital” de que deixo o "lead" “A utilização excessiva
das redes sociais, para além de danos cognitivos, cria um número crescente de
“zombies digitais”. Este embotamento afetivo também é observado na utilização
prolongada das drogas." Este texto deveria ser de leitura e discussão
obrigatória para todos os que lidam com crianças, adolescentes e jovens.
A outra referência remete para
dados de um trabalho realizado com adolescentes e jovens sobre o tempo de
exposição a ecrãs. O estudo é do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade,
da Universidade do Minho, e envolveu 1131 alunos entre os 11 e os 19 anos, do 6.º,
9.º e 12.º ano. A utilização média do telemóvel é de 4 h e três horas nas redes
sociais.
De acordo com umas das autoras do trabalho citada no Público, “Alunos sabem que passam “muito tempo” à frente dos ecrãs, mas vício impede-os de se desligarem. Os alunos do 9.º e do 12.º ano admitem que passam muito tempo à frente dos ecrãs e dizem que gostariam de reduzir esse mesmo tempo, mas como é [uma prática] muito viciante, é-lhes muito difícil colocar os telemóveis de lado e desligarem-se.”
Muitas vezes e de há muito que
aqui no Atenta Inquietude tenho abordado a questão dos ecrãs, em particular a
utilização da net em diferentes formas e circunstâncias por parte dos mais
novos. Também foi matéria muitas vezes integrada na minha actividade docente na
área da Psicologia da Educação. Para além disso, foi objecto de muitas
intervenções com grupos de docentes e de pais.
As questões e os riscos têm
motivado diferentes abordagens sendo que em Portugal, a partir deste ano, tal
como noutros países, e a partir deste ano os telemóveis estão proibidos nas
escolas até ao 6.º ano e em algumas com acesso condicionado para alunos do
3.ºciclo. No entanto, independentemente da proibição escolar, creio que o tempo
de ecrã, quer na duração, quer nos conteúdos e potencial impacto negativo se
coloca, sobretudo, fora da escola, designadamente, nos contextos familiares.
Toda esta problemática tem sido
objecto de trabalhos, notícias e reflexões nos últimos tempos potenciados pelo
impacto que a série “Adolescência” teve há algum tempo.
Os dados que múltiplos estudos
nacionais e internacionais relativos à utilização da net, considerando tempo e
conteúdos, devem ser reflectidos, mas, peço desculpa, do meu ponto de vista e
apesar de conhecer riscos e comportamentos graves, cyberbullying, por exemplo,
ou questões de saúde mental como refere Pedro Afonso, devemos ter alguma
serenidade e evitar discursos extremos.
Para as gerações mais novas não
fica muito fácil imaginar um mundo sem a net. No entanto, a verdade é que se a
net abriu um mundo inesgotável de oportunidades, também abriu um mundo de
alçapões, nos conteúdos e possibilidades abertas e nos riscos da sobreexposição.
Ligado desde sempre ao mundo dos mais novos, muitas vezes aqui tenho falado
desses alçapões e como, apesar da vulgaridade e massificação da sua utilização,
muitos pais me dizem desconhecê-los mesmo sendo eles próprios utilizadores
regulares da net.
Em primeiro lugar sublinho que, como é evidente, não está em causa qualquer diabolização destas ferramentas, apenas um alerta para riscos e da necessidade de regulação da sua utilização pelos mais novos.
Como múltiplos estudos revelam
aumentou exponencialmente o tempo que crianças, adolescentes e jovens, tal como
muitos adultos, estão em frente do ecrã. Naturalmente os riscos também
aumentaram como o cyberbullying que já referi, chantagem e roubo, exposição a
conteúdos inadequados às idades, pornografia infantil, etc.
Trata-se de mais um factor de
pressão para a supervisão imprescindível, mas muito difícil dos mais novos na
sua relação com a net.
É importante sublinhar que dados
do Estudo Internacional de Alfabetização em Informática e Informação (ICILS)
envolvendo 11 países e divulgados em 2020 sugerem que os alunos portugueses são
os mais bem preparados para usar a internet de forma responsável. No entanto,
os dados relativos aos riscos que aqui tenho referido, são, de facto, geradores
de preocupação como mostram os textos que referi de início.
Nesta perspectiva e tal como
noutras áreas o recurso privilegiado a estratégias proibicionistas não
funciona. É mais eficiente a promoção da utilização auto-regulada e informada.
A net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos que está presente em todas
as suas potencialidades é uma matéria que deve merecer a reflexão de todos os
que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga exclusivamente respeito. É
o nosso trabalho.
Sabemos que muitas crianças têm um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente "filiação" em redes sociais virtuais pode “disfarçar” o fechamento, juntando quem “sofre” do mesmo mal e o tempo remanescente para estar em família, frequentemente, ainda é passado à sombra de uma televisão, ou mesmo em modo "cada cabeça, seu telemóvel".
Estas matérias, a presença das
novas tecnologias na vida dos mais novos e os riscos potenciais, por estranho
que pareça, são problemas menos conhecidos para muitos pais. Aliás, as
dificuldades sentidas por muitas famílias na ajuda aos filhos em tempo de ensino
não presencial, mostrou isso mesmo, baixos níveis de literacia digital.
Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre
a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e
útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e
adolescentes minimizando os riscos existentes nos “alçapões da net”. Existem
demasiadas situações em que desde muito cedo os “smartphones” ou outros
dispositivos funcionam como “babysitters”.
Por outro lado, a experiência
mostra-me que muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou
orientação nestas matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a
perder eficácia com a idade.
Creio que o caminho terá de
passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que
crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.
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