No âmbito do processo que costumo designar por “deslumbramento digital” é imprescindível a leitura e reflexão relativa à entrevista ao Público de Johan Pehrson, ex-ministro da Educação da Suécia a propósito do recuo inevitável na utilização dos dispositivos digitais na educação escolar, designadamente, nos alunos mais novos.
Pehrson reconhece erros cometidos
com a introdução destes recursos e assiste-se à necessidade de “regressar ao
essencial”, “voltar ao papel e à caneta” nas suas palavras. Nas actuais
políticas educativas da Suécia e de outros países este movimento de desaceleração
digital ganha consistência e reflecte-se nas práticas educativas.
Por cá continuamos à acelerar
ainda “deslumbrados digitalmente”. Se assim continuarmos, o futuro não será
risonho em matéria de aprendizagem.
Muitas vezes, durante a minha carreira
profissional e em vários textos que aqui divulguei me referi à necessidade de
prudência e oportunidade no recurso excessivo às ferramentas digitais.
Por curiosidade recordo uma
história escrita em 2010, há 15 anos, a que chamei “As mãos que ensinam”.
Um dia destes a Sara, professora
de gente pequena, encontrou-se no refeitório da escola com o Professor
Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A conversa, para não
variar, foi sobre o trabalho de ensinar e aprender.
Estava a lembrar-me da reunião
que ontem tivemos. Velho, que me dizes à polémica que vai por aí sobre a
utilização dos computadores com os gaiatos pequenos? Estás contra ou a favor?
Na minha idade já nem sempre
consigo estar de forma definitiva, contra ou favor de muitas coisas. A questão
dos computadores na sala de aula com os miúdos pequenos é um exemplo, acho que
não se pode discutir assim.
Então?
Como é evidente os
computadores fazem cada vez mais parte da nossa vida em múltiplas dimensões.
Assim sendo, considerando que a escola deve lidar e colocar os miúdos a lidar
com as coisas da vida, o computador poderá aparecer e integrar-se, no trabalho "sério"
ou nas brincadeiras, é uma questão de bom senso. Por outro lado, quando se
começa a mexer nas letras, a juntá-las e a escrever, parece-me muito importante
que as mãos escrevam, desenhem as letras, construam as histórias. Às vezes
dizem que os miúdos se motivam mais porque os computadores são inovadores. É um
equívoco, os miúdos motivam-se por aquilo que gostam e aprendem a gostar. E
para aprender a gostar também é preciso saber fazer. Repito, parece-me
essencial que as mãos conheçam as letras, como elas se desenham, como elas se
juntam e o que elas são capazes de dizer. Utilizar o computador será útil para
algumas outras tarefas ou actividades que não substituem escrever e construir
textos com as mãos.
Sabes que tanto como a cabeça
ensina as mãos, as mãos ensinam a cabeça. Quando as mãos e a cabeça aprendem e
sabem, então o computador também já pode ser uma caneta. Dá para entender Sara?
É por isso que estou contra e a favor do uso dos computadores pelo gaiatos
pequenos ou, se preferires, a favor e contra.
Parece simples Velho, porque
se discute tanto?
Esperemos que o conhecimento
adquirido pela investigação e experiência regulem estes processos nas salas de
aula.
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