quinta-feira, 4 de setembro de 2025

DO DESLUMBRAMENTO DIGITAL - "AS MÃOS QUE ENSINAM"

 No âmbito do processo que costumo designar por “deslumbramento digital” é imprescindível a leitura e reflexão relativa à entrevista ao Público de Johan Pehrson, ex-ministro da Educação da Suécia a propósito do recuo inevitável na utilização dos dispositivos digitais na educação escolar, designadamente, nos alunos mais novos.

Pehrson reconhece erros cometidos com a introdução destes recursos e assiste-se à necessidade de “regressar ao essencial”, “voltar ao papel e à caneta” nas suas palavras. Nas actuais políticas educativas da Suécia e de outros países este movimento de desaceleração digital ganha consistência e reflecte-se nas práticas educativas.

Por cá continuamos à acelerar ainda “deslumbrados digitalmente”. Se assim continuarmos, o futuro não será risonho em matéria de aprendizagem.

Muitas vezes, durante a minha carreira profissional e em vários textos que aqui divulguei me referi à necessidade de prudência e oportunidade no recurso excessivo às ferramentas digitais.

Por curiosidade recordo uma história escrita em 2010, há 15 anos, a que chamei “As mãos que ensinam”.

 

 

Um dia destes a Sara, professora de gente pequena, encontrou-se no refeitório da escola com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A conversa, para não variar, foi sobre o trabalho de ensinar e aprender.

Estava a lembrar-me da reunião que ontem tivemos. Velho, que me dizes à polémica que vai por aí sobre a utilização dos computadores com os gaiatos pequenos? Estás contra ou a favor?

Na minha idade já nem sempre consigo estar de forma definitiva, contra ou favor de muitas coisas. A questão dos computadores na sala de aula com os miúdos pequenos é um exemplo, acho que não se pode discutir assim.

Então?

Como é evidente os computadores fazem cada vez mais parte da nossa vida em múltiplas dimensões. Assim sendo, considerando que a escola deve lidar e colocar os miúdos a lidar com as coisas da vida, o computador poderá aparecer e integrar-se, no trabalho "sério" ou nas brincadeiras, é uma questão de bom senso. Por outro lado, quando se começa a mexer nas letras, a juntá-las e a escrever, parece-me muito importante que as mãos escrevam, desenhem as letras, construam as histórias. Às vezes dizem que os miúdos se motivam mais porque os computadores são inovadores. É um equívoco, os miúdos motivam-se por aquilo que gostam e aprendem a gostar. E para aprender a gostar também é preciso saber fazer. Repito, parece-me essencial que as mãos conheçam as letras, como elas se desenham, como elas se juntam e o que elas são capazes de dizer. Utilizar o computador será útil para algumas outras tarefas ou actividades que não substituem escrever e construir textos com as mãos.

Sabes que tanto como a cabeça ensina as mãos, as mãos ensinam a cabeça. Quando as mãos e a cabeça aprendem e sabem, então o computador também já pode ser uma caneta. Dá para entender Sara? É por isso que estou contra e a favor do uso dos computadores pelo gaiatos pequenos ou, se preferires, a favor e contra.

Parece simples Velho, porque se discute tanto?

Esperemos que o conhecimento adquirido pela investigação e experiência regulem estes processos nas salas de aula.

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