No Público encontram-se três peças que abordam a situação das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens.
Como é conhecido e aqui comentei,
o Ministério da Educação alterou a regulação da mobilidade dos docentes o que
implicou a saída de muitos professores que integravam as Comissões de
Protecção de Crianças e Jovens o que, evidentemente, está ter um impacto
negativo numa área tão crítica, a protecção dos mais novos em situação de
risco. Num dos trabalhos é referida a situação da CPCJ do Montijo que está em sérias
dificuldades para responder às necessidades.
É ainda abordado o enquadramento
e a enorme falta de recursos das CPCJ. De acordo com o Relatório de Actividade
da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e da Protecção das Crianças e
Jovens relativo a 2024, apenas 85 de um total de 313 Comissões tinham a composição
completa.
A relevância do trabalho das CPCJ
que fui acompanhando durante muito tempo através da colaboração em diversas
iniciativas de muitas Comissões exige que a capacidade de resposta seja robusta e ficiente.
Ainda segundo Relatório de 2024
vejamos alguns indicadores que, ainda não muito, aqui referi. Foram recebidos
pelas Comissões de Protecção e Crianças e Jovens 89008 processos de Promoção e
Protecção de crianças e jovens em risco. Este valor traduz um aumento de 5,5%
relativamente a 2023.
A negligência é a situação de
risco mais denunciado, 19 107 casos, 30,4% do total, depois surge a violência
doméstica, 17295 casos, um abaixamento ligeiro comparando a 2023. Em terceiro
lugar estão os comportamentos de perigo na infância e juventude com 11795
situações, 18,8% do total e uma subida de 1425 situações face a 2023.
As Comissões de Protecção identificaram 13.373
crianças e jovens com diagnóstico de necessidade de aplicação de medida de
promoção e protecção. A maior prevalência verifica-se na faixa etária dos 15
aos 17, 26,9% do total, com 3599 jovens, 1562 do sexo feminino e 2037 do sexo
masculino. As forças de segurança comunicaram 425 das situações e as escolas
18, 8%.
Verificou-se, naturalmente, um maior volume de actividade das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens. Aliás, também no Público se noticia o número de casos de abuso sexual de crianças registados pela PJ, 711 no primeiro semestre, o que indicia um aumento no total do ano face ao verificado em 2024 que também aumentou face ao ano anterior.
Desculpem a insistência, mas de há
muito e a propósito de várias questões afirmo que em Portugal, apesar de
existirem diferentes dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e
de existir legislação no mesmo sentido sempre assente no incontornável
“superior interesse da criança", não possuímos ainda o que me parece mais
importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens como alguns
exemplos regularmente evidenciam.
Por outro lado, as condições de
funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer
um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais adequadas e operam em
circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria, as Comissões têm responsabilidades
sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua
capacidade de resposta como é como no caso da CPCJ do Montijo.
A parte mais operacional das
Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por muitos técnicos em
tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e
qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos
profissionais que as integram. A saída de professores que as integram agrava de
forma substantiva a insuficiência de recursos.
Muitas vezes tenho aqui referido
a necessidade maior investimento e eficiência no âmbito do sistema de protecção
de menores. Para além do reforço dos recursos das CPCJ seria desejável uma
melhor integração e oportunidade das respostas a situações detectadas, uma
adequação às mudanças e novas realidades na área dos Tribunais de Família e
Menores, etc. Os serviços de apoio às comunidades, ainda que regulados e
escrutinados, deverão ser suficientes e adequados em recursos e procedimentos.
Este cenário permite que ocorram
situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e
jovens que sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não
tiveram, o apoio ou os procedimentos necessários. É então provável que, depois
de se conhecerem episódios mais graves, possamos ouvir expressão que me deixa
particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada”,
mas dessa "sinalização" não decorreu a adequada intervenção.
Sinalizamos e referenciamos com
relativa facilidade, a grande dificuldade é mesmo minimizar ou resolver os problemas
das crianças referenciadas ou sinalizadas. Importa ainda não esquecer as que
passam mal em diferentes aspectos sem que estejam sinalizadas ou referenciadas.
Nos tempos que atravessamos os riscos serão maiores.
Por isso, sendo importante
registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos
miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à
ausência de respostas que más opções em matéria de políticas públicas
sustentam.
As crianças são resilientes, mas
família, afecto, contextos educativos de qualidade, são bens de primeira
necessidade.
Como afirma, Benedict Wells em “O
fim da solidão”, “Uma infância difícil é como um inimigo invisível. Nunca se
sabe quando nos vai atingir”.
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