Está em consulta pública uma
proposta do Governo que entre outros aspectos revê os dispositivos e montantes dos
apoios sociais a pessoas com deficiência. As medidas propostas abrangerão um
número estimado de 120 000 pessoas dos quais 50 000 não acedem
actualmente a qualquer subsídio.
Uma primeira fase de alterações
entrará em vigor em Outubro de 2017 e em 2018 completar-se-á o ciclo de
ajustamento.
Apesar de muitas vezes ver
referências à corrida de obstáculos em que se transforma a vida das
pessoas com deficiência e das suas famílias, é menos abordado o que poderemos
chamar os custos da deficiência que são de natureza variada e muito elevados.
Neste sentido, a revisão dos
dispositivos de apoio social é uma necessidade urgente.
Retomo algumas notas por referir um
ensaio recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos. “Pessoas com
deficiência em Portugal” em que se analisa os problemas e contextos de vida da
população com deficiência nas últimas décadas. Segundo o autor, Fernando
Fontes, da Universidade de Coimbra, “Desde os anos 1980, as mudanças reais nas
vidas das pessoas com deficiência em Portugal têm sido mínimas: os benefícios
sociais são insuficientes para elevar a vida das pessoas acima da linha de pobreza,
os problemas no acesso ao emprego mantêm-se e continuam a ser excluídas por um
sistema de ensino que não considera as suas necessidades e por um mercado de
trabalho que exclui a diferença”.
Recordo um relatório,
"Monitorização dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência em
Portugal", divulgado em 2014 no âmbito da terceira conferência anual da
Associação Europeia de Estudos da Deficiência, indiciando a existência de
empresas que usam indevidamente os apoios estatais para a contratação de
pessoas com deficiência obrigando estes trabalhadores a estágios sucessivos e a
uma situação de precariedade. Este expediente é, aliás usado com outros grupos,
jovens, por exemplo.
Nada de novo. Num mercado
fortemente desregulado e em "flexibilização" acelerada, os direitos
das pessoas ou a lei são irrelevâncias formais.
Em contextos de maiores
dificuldades e dados os níveis fortíssimos de desemprego os grupos mais
vulneráveis são duplamente penalizados, pela sua condição e situação de vida e
por mercados e empregadores sem alma, desregulados que apenas conhecem
"activos" descartáveis e a explorar e não pessoas.
No caso particular das pessoas
com deficiência é também de recordar que O “Estudo de avaliação do impacto dos
planos de austeridade dos Governos europeus sobre os direitos das pessoas com
deficiência”, coordenado pelo Consórcio Europeu de Fundações para os Direitos
Humanos e a Deficiência conhecido no final de 2013, traçou um retrato
devastador do impacto que as políticas de austeridade e a crise económica
tiveram e têm nas condições de vida das pessoas com deficiência e,
naturalmente, das suas famílias. Este impacto, muito diferenciado de acordo com
as idades e problemáticas envolvidas, compromete seriamente os direitos básicos
em matéria de educação, saúde, trabalho e apoios sociais. Em todas as áreas os
cortes orçamentais têm efeitos pesadíssimos, sendo que as pessoas com deficiência
em Portugal têm uma taxa de risco de pobreza 25% superior à das pessoas sem
qualquer deficiência.
Como sempre não posso deixar de
retomar algumas notas sobre esta matéria que não são informadas por qualquer
discurso de natureza paternalista ou assistencialista, mas colocadas num plano
de direitos humanos, de discriminação positiva de pessoas em situação
particularmente vulnerável e na não-aceitação do princípio de que equidade
significa igualdade.
Talvez alguns decisores
políticos não saibam, por exemplo, que o desemprego no grupo social das pessoas
com deficiência terá aumentado cerca de 70 % face a 2011, e estima-se que ronde
os 75 %, uma taxa catastrófica.
Sabemos que os recursos são
finitos e os tempos de contenção, mas pode-se afirmar que para as pessoas com
deficiência os tempos sempre foram de recursos finitos e de contenção, ou seja,
as dificuldades são recorrentes e persistentes.
Um estudo realizado, creio que em
2010, pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de
Coimbra, apontava para que uma pessoa com deficiência tenha um gasto anual
entre 6 000 e 27 000 € decorrentes especificamente da sua condição e
considerando diferentes quadros de deficiência. Este cálculo ficou incompleto
porque os investigadores não conseguiram elementos sobre os gastos no âmbito do
Ministério da Saúde.
O estudo, para além das
dificuldades mais objectiváveis, referenciou ainda os enormes custos sociais,
não quantificáveis facilmente, envolvidos na vida destes cidadãos e que têm
impacto no contexto familiar, profissional, relacional, lazer, etc.
Creio também que é justamente no
tempo em que as dificuldades mais ameaçam a generalidades das pessoas que se
avoluma a vulnerabilidade das minorias e, portanto, se acentua a necessidade de
apoio e de políticas sociais mais sólidas, mais eficazes e, naturalmente, mais
reguladas.
Os números sobre o desemprego nas
pessoas com deficiência são dramaticamente elucidativos desta maior
vulnerabilidade. A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e
infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas
áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio
social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim
sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que
proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram
em situações mais vulneráveis.
As pessoas com deficiência e as
suas famílias fazem parte deste grupo.
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