O Secretário de Estado da
Educação referiu ontem em intervenção pública que "Se há um problema de
obesidade curricular, se o currículo está gordo, então é preciso fazer
dieta" o que, numa variante nutricionista, se inscreve no movimento de “flexibilização
curricular” que foi anunciado pelo ME ao mesmo tempo que se aguarda pelo
resultado do trabalho do grupo coordenado por Guilherme d’Oliveira Martins que
tem por objectivo a definição de um “Perfil de competência” para os alunos que
terminam o ensino secundário.
São também conhecidos alguns
eixos destas mudanças. Repensar a extensão dos currículos definindo com a
colaboração das associações profissionais as dimensões essenciais em cada área
de conhecimento que permitirá maior flexibilização e diferenciação do trabalho
em sala de aula, a promoção um modelo de organização e conteúdos que sustentem
práticas de gestão curricular mais integrada ou o incremento da margem de
autonomia das escolas na gestão curricular, são alguns dos aspectos que têm
sido referidos.
Quando se fala em mudanças em
educação surgem sempre, e com razão face a práticas que conhecemos, inúmeras
referências centradas no excesso de alterações o que retira estabilidade e
pensamento a prazo a este universo.
Paradoxalmente, ou talvez não,
existem outras tantas referências que afirmam a necessidade de mudanças.
Como muitas vezes afirmo e me
parece claro, a este cenário não será alheio um mundo de conflitualidade de
interesses e visões em matéria de educação. Acresce ainda que as opiniões sobre
o excesso de mudanças ou a sua necessidade são de uma percepção altamente
dispersa, quase individualizada, em modo “cada cabeça, sua sentença”.
Relativamente às mudanças em
matéria de currículo, ao seu anúncio correspondeu de imediato o habitual coro
de “lá vem mudança”, “retorno do facilitismo”, etc. O outro coro afina pela
necessidade de ajustamento, embora para ambas as posições seja ainda pouco
claro o sentido, o alcance, o calendário ou o método da mudança.
A verdade é que não me lembro de
muitas opiniões que entendessem como bons os currículos actuais. São mais
frequentemente entendidos como extensos, demasiado prescritivos e normativos,
pouco amigáveis para as diferenças entre alunos e para o número de alunos habitual
nas nossas salas de aula. Aliás, no que respeita à designada, educação
inclusiva, à medida que os currículos se têm tornado mais normativos e mais
prescritivos temos assistido à proliferação de opções curriculares
“alternativas” que mais não são em muitos casos que “guetos curriculares”
facilitadores de exclusão.
Também não recordo de muitas
opiniões defenderem que 998 metas curriculares para os nove anos do ensino
básico em Português ou as 703 metas curriculares para Português e Matemática no
1º ciclo do básico, ou que o conteúdo de muitas destas metas, fosse algo de
muito positivo para o trabalho bem-sucedido de alunos e professores, antes pelo
contrário. Em 2015, num encontro internacional sobre inclusão e diversidade em
educação, um colega de mesa, um australiano especialista em desenvolvimento
curricular, interrogou-me se teria percebido bem o número de metas curriculares
que referi ou teria sido algum problema com o meu inglês.
Elucidativo. Neste cenário em que
ficamos?
Os princípios genéricos, apenas
isso porque o resto é pouco conhecido parecem ir ao encontro dos modelos
curriculares de muitos países habitualmente considerados como possuindo
sistemas educativos com qualidade reconhecida e de que agora, de acordo com os
critérios TIMSS e PISA, nos parecemos aproximar apesar da ainda elevada taxa de
retenção.
É verdade que mudar, só por
mudar, é errado e tem consequências negativas a vários níveis.
Mas também é verdade que não
mudar algo que não é positivo tem custos muito elevados, prolongados e com
impacto negativo em diferentes dimensões.
Finalmente, creio que o impacto positivo de mudanças de natureza curricular não decorre
“apenas” de questões do centradas no currículo. Envolve, por exemplo,
recursos docentes, turmas com efectivos adequados, apoios a alunos e
professores em tempo oportuno, suficientes e competentes.
É nesta área que temo que se
mantenham alguns obstáculos aos efeitos potencialmente positivos de uma
orientação de mudanças necessárias em matéria de currículo.
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