domingo, 18 de dezembro de 2016

AINDA E SEMPRE A QUESTÃO DO CHUMBO ESCOLAR

Em entrevista ao DN a propósito da divulgação dos rankings escolares David Justino, presidente do Conselho Nacional de Educação, volta a afirmar “o benefício de uma retenção não compensa os danos pessoais e sociais que provoca. Há alunos que não aprendem ou não querem aprender, mas estes representam muito menos do que os quase 13% que todos os anos são retidos e igual proporção dos que desistem através do abandono precoce. O que é importante é contrariar essa cultura, proporcionando a todos os alunos oportunidades de aprender mais ajustadas ao seu perfil.
Considerando os discursos sobre esta questão e as práticas desenvolvidas em muitas escolas parece-me sempre oportuno insistir nesta ideia, chumbar, só por si e de forma geral, não melhora a qualidade do trabalho dos alunos e dos professores.
Recordo um estudo recente da Universidade Nova de Lisboa, "Será a Repetição de Ano Benéfica para os Alunos?" concluiu que reprovar alunas do 4.º ano com mau desempenho escolar tem um efeito positivo muito reduzido e, entre os rapazes, não traz qualquer vantagem.
Estes resultados estão em linha com também recente trabalho “Números, letras ou tubos de ensaio?” do CNE e da Fundação Manuel Francisco dos Santos.
A questão da retenção escolar em Portugal é objecto de muita discussão, diferenças de entendimentos e práticas e de alguns equívocos.
Insisto sempre que a questão é saber se os efeitos são positivos e não os critérios pelos quais se chumba um aluno.
Relembro um Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE no início deste ano se evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram. O peso da retenção no nosso sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso.
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção, cerca de 150 000 alunos por ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários da imprensa online a notícias sobre esta matéria é elucidativa e merecia ser analisada.
Como me parece evidente não é dada disto. Como exemplo, a Noruega tem uma taxa de retenção próxima do 0% e não consta que os alunos noruegueses passem sem saber, são, aliás, dos alunos com melhores resultados nos estudos comparativos internacionais.
Insisto. A questão é saber se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.
Assim sendo, o que deve ser discutido e objecto de políticas adequadas será que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores.
O número de alunos por turma em algumas escolas e agrupamentos, um modelo curricular extenso e prescritivo, uma cultura de competição e centrada quase que exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que pode não se favorável à promoção de qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.
Assim sendo, o essencial é promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho "tal pai, tal filho".
É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional mas não em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que não tem acontecido em Portugal.
Ponto.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Insisto. A questão é saber se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram."

Depende das situações:

a)O que, como EE, eu tive de fazer para que o meu mais novo chumbasse no 10º ano de C e Tecnologias! Queriam que transitasse com 7 a matemática e média geral de 10 ou 11, já não me lembro. Arranjei 1 estratégia e o rapaz reprovou. No ano seguinte, mudou de escola, de amigos e passou de 7 a matemática para 15. É que da janela da sala, de umas das escolas da "linha" via-se o mar e o rapaz ....perdia-se e passava facilmente para a twilight zone ou para Plutão, que naquela altura ainda pertencia ao sistema solar.

b) Por outro lado, talvez na maioria dos casos, é verdade que "repetir só por repetir não produz sucesso". Depende do aluno e da sua circunstância e das condições dadas pelas escolas e professores.

Zé Morgado disse...

A afirmação não assenta em situações individuais, eu próprio chumbei e acabei por fazer toda a formação esolar incluindo superior, mas em dados globais que mostram claramente que o "chumbo" não produz sucesso.