A questão da inclusão, em
particular da inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É
objecto de todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e acomoda todas
as práticas, incluindo, cá está a inclusão, o que manifestamente não promove inclusão,
antes pelo contrário. O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que
significa. Conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e
que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Cada vez mais me
lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da
"Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de
Camões".
No entanto, no universo da
educação existe uma área que tem menos presença e visibilidade, a presença de
alunos com necessidades especiais no ensino superior. É verdade que a recente
discussão do OGE para 2017 e a proposta de isenção de propinas no ensino
superior para alunos com necessidades especiais por iniciativa do BE chamou a
atenção para este universo mas, saudando-se a decisão, merece reflexão mais alargada. Algumas notas.
A percentagem de alunos com
necessidades especiais relativamente aos alunos que frequentavam o ensino
superior em 2013/2014 era de 0.36%. No presente ano lectivo foram preenchidas
apenas 14% das vagas do contingente especial para alunos com deficiência.
Se a estes dados acrescentarmos
que a taxa de desemprego na população com deficiência é estimada em 70-75% e
que o risco de pobreza é 25% superior à população sem deficiência e que
Portugal se orgulha de ter perto de 98% dos alunos com NEE a frequentar as
escolas de ensino regular no período de escolaridade obrigatória, temos um
cenário que nos deve merecer a maior atenção.
Como tantas vezes tenho dito,
aqui nos espaços de contextos da lida profissional, a questão da presença dos
alunos começa no que é feito no ensino básico e secundário, ainda há pouco
escrevi e falei sobre isso.
Por outro lado é fundamental que com
clareza, sem ambiguidades ou equívocos se entenda e após a escolaridade obrigatória
os jovens, TODOS os jovens, têm três vias disponíveis formação profissional,
formação escolar (ensino superior) ou mercado de trabalho (trabalho na
comunidade).
A realidade mostra que os jovens
com necessidades especiais estão significativamente arredados destas vias e,
voltamos ao mesmo, em muitas circunstâncias ao abrigo de práticas e modelos de
resposta sob a capa da … inclusão.
De novo, a inclusão assenta em cinco
dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que
se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar
(envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo
sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como
membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com NEE de diferente
natureza depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos
contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.
É também claro que no âmbito do
ensino superior importa que se proceda a ajustamentos de natureza diversa,
atitudes, representações expectativas, oferta formativa, custos, acessibilidades,
e cursos e apoios ou, como disse, promover melhor articulação com o ensino
secundário
Em Abril, deputados do PS
apresentaram um projecto de resolução, Nº 358/XIII/1ª, "Estudantes com Necessidades
Educativas Especiais no Ensino Superior", no sentido de tornar a frequência do
ensino superior mais “amigável”, por assim dizer, a alunos com necessidades
especiais. Não tenho conhecimento dos desenvolvimentos desta iniciativa.
Este projecto de resolução
envolve a disponibilização de apoio pedagógico personalizado e adequação do
processo de matrícula, das unidades curriculares, do processo de avaliação. É
ainda referido o incremento das ”potencialidades da era digital”.
Como disse na altura, por
princípio, qualquer iniciativa no sentido de minimizar a longa corrida de
obstáculos que é a vida das pessoas com necessidades especiais é bem-vinda e
merece registo.
Dados de 2014 mostram que em 94
de 291 instituições do ensino superior afirmaram a existência de serviços de
apoio para alunos com deficiência. Actualmente a esmagadora maioria dos estabelecimentos,
públicos e privados afirma disponibilizar esses serviços.
No entanto, para além de aspectos
mais evidentes como a acessibilidade, creio que o apoio pedagógico e a
utilização de dispositivos diferenciados nos materiais de apoio das unidades
curriculares, da diferenciação nos processos de avaliação ou o recurso às
tecnologias, não serão os grandes obstáculos. Tenho alguma experiência de
docência no superior com alunos com necessidades especiais e não sinto que
sejam estas as questões centrais.
Também não creio que a questão
central seja a existência obrigatória de “serviços de apoio” a alunos com
deficiência embora tal possa depender da dimensão da instituição. Do meu ponto
de vista, procurar responder da forma a adequada às necessidades de TODOS os
seus alunos é a essência do trabalho de qualquer instituição educativa e de
qualquer docente, com maior ou menor dificuldade.
A questão mais importante
decorrerá, creio, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e
institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante
comunidade, incluindo, naturalmente, professores do ensino básico e secundário e de "educação epecial" técnicos, os alunos com necessidades especiais e famílias
Também é minha convicção de que
as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com
necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que manterão as
capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela
existe. Estou a referir-me, evidentemente, aos alunos que não têm “diagnóstico”
de problemas de natureza cognitiva.
No entanto, como disse, esta
preocupação deveria ser mais alargada, estamos a falar de inclusão e agora, se
quiserem, da minha utopia.
Porque não podem frequentar
estabelecimentos de ensino superior? Sim, frequentar o ensino superior onde
estão jovens da sua idade e em que a oferta formativa se for repensada e a
experiência de vida proporcionada podem ser importantes.
Não, não é nenhuma utopia. Muitas
experiências noutras paragens mas também por cá mostram que não é utopia.
O primeiro passo é o mais
difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e
entender que é assim que deve ser.
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