quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

A IMPRENSA É NOTÍCIA

Na imprensa de hoje é divulgado uma investigação realizada na Universidade de Coimbra que analisa a imprensa. Assim, hoje a imprensa é notícia.
Dos dados divulgados releva um retrato de precariedade, cerca de metade dos jornalistas inquiridos trabalha ao “abrigo” de um contrato “próximo de lógicas de precariedade”, abundam salários baixos, mesmo abaixo do salário mínimo, e é baixa a expectativa de carreira ou de mudança de natureza profissional.
Para além destes indicadores parece de registar que 54,9% dos inquiridos refere que a sua situação laboral se repercute no desempenho do seu trabalho e 28,9% considera que que tem impacto na dimensão ética e deontológica do seu trabalho.
Ainda mais relevante é considerar que 35.7% dos jornalistas envolvidos se afirma objecto de pressões externas e cerca de um quarto refere pressões das direcções e das administrações.
Como é evidente, os dados mais específicos às questões profissionais, precariedade, carreira e salário são preocupantes e afectam outros grupos profissionais.
No entanto, parecem-me particularmente significativos os efeitos que estes dados possam ter no desempenho da função de jornalista, tornando-a mais vulnerável, trata-se da sobrevivência, as questões de qualidade e, como é referido, a constrangimentos em matéria de ética e deontologia.
No mesmo sentido, a fragilidade do jornalista enquanto profissional é também favorável à existência de pressões de várias origens e com impacto potencial inquietante no papel que se espera que a imprensa cumpra em sociedades abertas e democráticas.
Talvez, estes dados nos ajudem a perceber aquilo que para quem acompanhe diariamente a imprensa portuguesa se torna razoavelmente claro, a existência de agendas e critérios editoriais, uns mais explícitos, outros mais dissimulados mas evidentes, que constroem narrativas em que o jornalista mal pago, com um lugar precário e pressionado é apenas um peão executivo.
Não é de agora, mas este quadro agrava a natureza da relação dos poderes, designadamente do poder político, com a comunicação social que tem algumas particularidades interessantes.
Se estivermos atentos, reparamos como todos se procuram servir da comunicação social para a defesa dos seus interesses pessoais, partidários, institucionais, económicos, etc. Nada de novo, sabemos o peso que a comunicação social tem nas sociedades actuais e nos últimos tempos também temos tido sucessivos episódios ilustrativos dessas nebulosas relações.
Nesta matéria, para além das consequências óbvias destes comportamentos, parece-me particularmente irritante a forma quase infantil, está um pouco na moda este tipo de infeliz comparação mas não resisto, como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa sobre assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer. Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”, “desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” “no estrangeiro não comento questões nacionais”, etc., etc. Este pessoal desenvolve assim uma espécie de surdez selectiva, só ouve o que lhe convém, de mutismo selectivo, só fala do que lhe convém, de cognição selectiva, só conhece o que lhe convém.
No entanto, são também estas as figuras que directamente ou através de terceiros, lambem as botas às redacções e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor) e pedem, exigem, tempo de antena quando tal serve os seus diferentes interesses.
Para combater este pântano seria necessário uma imprensa forte, não proletarizada e precária que pudesse cumprir a sua imprescindível função.

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