O
MEC anunciou que com
financiamento comunitário do Programa Operacional Capital Humano irá contratar
psicólogos para os agrupamentos e escolas. O objectivo é atingir em 2020 um
ratio de um psicólogo para cada 1100 alunos. Algumas notas sobre, psicólogos,
psicologia e contextos escolares.
Segundo a Ordem dos Psicólogos
Portugueses (OPP) existem actualmente cerca de 775 psicólogos o que para cerca de um milhão e duzentos mil alunos corresponde a um ratio de um técnico por 1645
alunos, sendo que no ensino privado, sem surpresa, é de um psicólogo para 785 alunos..
Conheço situações em que existe
um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo
de mais de 3000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa
espécie de psicologia em trânsito. Como em vários outros campos, é um fingimento
de resposta. Nada de estranho e com muitos outros exemplos.
Temos também inúmeros
agrupamentos e escolas sem psicólogos ou com “meio psicólogo” e ainda a prestação
de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia
hora semana uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional
e, evidentemente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do
seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre
que existe apoio de um técnico de psicologia.
Sublinhe-se que, segundo o MEC,
em 2014/2015 71% das escolas ou agrupamentos tem um ou mais técnicos de
psicologia a tempo inteiro.
Acresce que uma parte
significativa dos psicólogos existentes é contratada anualmente, sempre com
atraso, tal como neste ano lectivo, o que implica óbvias consequências em
termos de instabilidade, suficiência e qualidade. Da notícia hoje conhecida não
se depreende se a contratação anunciada é com carácter definitivo ou com
horizonte temporal definido.
Nos últimos tempos e como já
referi, o MEC tem permitido que as escolas contratem a prestação de serviços
educativos a realizar aos seus alunos, a empresas, naturalmente, exteriores à
escola que, aliás, têm florescido. Estes serviços envolvem o trabalho de
psicólogos bem como de outros técnicos, por exemplo terapeutas, e desempenham
funções em diferentes áreas de trabalho da escola.
É interessante que nos textos de
regulamentação destas contratações se estabelecem objectivos como Esta contratação
de serviços de psicologia, ao abrigo de Programas Operacionais visa, cito,
“mudanças comportamentais dos alunos”, “melhoria de atitudes face às tarefas
escolares”, pretendendo-se o “sucesso educativo”. É delirante.
Não quero, nem devo, discutir aqui
a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da
intervenção dos técnicos, designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho
referido, a última vez, no Seminário de há dois dias organizado pelo MEC e pela
OPP sobre a Psicologia e Orientação em Contexto Escolar, entenda que se
verifica em muitas situações uma sobrevalorização da intervenção dos psicólogos
na área da orientação vocacional desequilibrando a intervenção necessária em
áreas como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com
professores e pais, só a título de exemplo.
É minha convicção o recurso ao
modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do
esforço e competência dos profissionais envolvidos. Trata-se, também aqui, de
mais uma entrega de serviço público aos mercados.
Como é que se pode esperar que
alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos
e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho
consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da
escola?
Das duas uma, ou se entende que
os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da
psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades
de alunos, professores e pais, em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas
providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto,
devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao
sucesso da sua intervenção, ou então, existirá quem assim pense no próprio MEC
(veja-se o atraso na colocação dos poucos que o sistema tem), os psicólogos não
servem para coisa nenhuma, só atrapalham e, portanto, não são necessários. Este
entendimento contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de
outros países aconselha mas como é hábito os exemplos de fora só são citados
conforme os interesses.
A situação existente parece-me,
no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e
ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos
possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar
uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os conteúdos, regulação e modelos de intervenção deste
trabalho merecia um outro espaço e oportunidade.