O Público refere hoje alguns dados do estudo Net
Children Go Mobile, recentemente divulgado. Cerca de 5% das crianças e
adolescentes portugueses, dos 9 aos 16 anos, afirma já ter vivido situações de
cyberbullying. Apesar desta forma particular de bullying estar a aumentar em
Portugal, está ainda abaixo da média verificada nos países europeus envolvidos
no estudo, 7%. Neste contexto particular, o cyberbullying, é de sublinhar que
cerca de 70% dos adolescentes portugueses têm perfil numa rede social o que,
aliado ao uso massivo do telemóvel potencia significativamente o risco.
De facto, a gravidade e regularidade dos episódios, a UNICEF
estima que uma em cada três crianças e adolescentes será vítima de bullying, exigem
uma atenção e reflexão contínuas pelo que se justifica a insistência. Algumas notas.
Sabe-se que a ocorrência de situações de bullying é
bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características
do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o emergente
cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e
assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se
justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores ou
funcionários.
Estima-se que nos últimos três anos o fenómeno tenha
provocado pelo menos 12 suicídios nos Estados Unidos. Recordo ainda que foi
anunciado em 2013 que a Direcção-geral de Saúde iria promover em várias escolas
do país um projecto de prevenção do suicídio dirigido a adolescentes.
Felizmente, a taxa de suicídio adolescente em Portugal não é muito alta, embora
um só caso já seja uma tragédia. No entanto, os comportamentos de natureza
auto-destrutiva são bem mais prevalentes do que se pensa. Em algumas
circunstâncias, mais tarde estes comportamentos podem culminar em suicídio.
Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem
estes episódios é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada, nem
sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade,
nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo importa considerar dois eixos fundamentais de
intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos
problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista,
assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo
que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying,
as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as
vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além
da óbvia punição, quando for caso disso.
Relembro que o Portal sobre o bullying teve durante o seu
primeiro ano de funcionamento cerca de 650 000 visitas e respondeu a 700
solicitações.
Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de
apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e
alunos possam obter informação e apoio. Lamentavelmente, este serviço é
exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do
sistema educativo, para além das insuficiências na formação de técnicos e de
professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento.
A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos
qualificados e suficientes é, a par de ajustamentos nos modelos de organização
e funcionamento das escolas e de uma séria reestruturação curricular, uma
tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável
porque as consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras. Depois
das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é
necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais
de mal estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na
escola, espaço onde passam um tempo enorme.
Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou
desvalorizados. O resultado pode ser trágico.
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