A leitura tardia de um texto no Público sobre as canetas que
os políticos usam e em particular a referência à ligação de Paulo Portas às
Parker e a referência de Ramalho Eanes também a três Parker herdadas do pai, em
particular da Parker 61que tinha usado para dar posse ao I Governo
Constitucional, em Julho de 76 e da qual acabou por “perder” o rasto, lembrei-me
de uma história passada longe, muito longe daqui e que envolve uma Parker.
Já por várias vezes lhes falei das minhas deambulações pela
terra da Boa Gente, Inhambane, em Moçambique, pois a história passou-se por lá.
Nas três semanas que lá passei, estive alojado numa casa ao
cuidado de um anjo da guarda, o Sr. Bata, que zelava pelo meu bem-estar,
aliás, a minha primeira dificuldade foi convencê-lo que conseguia ir trabalhar
sem “matabichar” um bife com batatas fritas, salada e ovo às seis e trinta da
manhã. Consegui, não sem alguma luta que o “mata-bicho” se transformasse em
fruta e chá, embora ele não se mostrasse muito convencido de que aquilo era
alimento suficiente para um XXL.
Mas a história de hoje remete para o hábito fantástico que o
Sr. Bata tinha de encontrar expressões surpreendentes para demonstrar uma
apreciação superlativa sobre qualquer coisa, por exemplo a sua velhice
traduzia-se nas rugas bem vincadas que, dizia, significavam sabedoria, sendo
que cada ruga era mais ou menos o saber de uma bíblia, dizia, com um sorriso de
orelha a orelha.
Uma vez, logo no princípio da estadia, perguntei-lhe se
sabia ler, respondeu, quase ofendido, que o fazia muito bem sendo mesmo capaz
de fazer “até à última letra”.
Na mesma linha, perguntei-lhe se sabia escrever e a resposta
foi ainda mais curiosa. O Sr. Bata com um enorme sorriso de
orgulho disse-me, “escrevo tão bem
como se fosse com uma Parker”. Fiquei surpreso e, por coincidência, tinha
uma esferográfica Parker que fazia companhia a uma de tinta permanente, o meu
utensílio de escrita habitual, pelo que lhe dei a esferográfica, para,
finalmente, o Sr. Bata escrever com uma Parker e até à última letra.
Ainda me lembro dos olhos dele, parecia que olhava para algo
de sagrado e, para meu espanto, levantou-se, estávamos de conversa na rua à noite,
foi para a sala e pendurou a Parker num prego onde estava um “quadro” que
tirou.
Enquanto lá estive e durante a correspondência que mantive
com ele até o tempo o levar para um destino que não conheço, sempre me foi
dizendo que a Parker lá continuava pendurada na parede para poder olhar para
ela.
Despeço-me como ele sempre se despedia antes da deita,
“tenham uma noite açucarada”.
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