A questão que está na agenda, a acção do Ministério Público apenas levar a tribunal a situação de médicos que no exercício de funções em instituições do SNS recebem dinheiro de laboratórios para prescreverem preferencialmente os seus produtos, mas não agir da mesma forma quando a situação ocorre no exercício de clínica privada é interessante e merece, creio, umas notas.
Não conheço a legislação para entender se o comportamento do médico no exercício privado não é ilegal como sustento o Ministério Público e oiço o Bastonário defender que o comportamento é uma grave infracção ética nas duas situações, serviço público ou clínica privada, pelo que o procedimento do Ministério Público deveria ser igual em ambos casos.
Em Portugal temos uma vastíssima gama de exemplos de como a relação entre lei e ética é, no mínimo ambígua.
Os nossos códigos normativos prevêem inúmeras situações em que se podem desenvolver comportamentos que não infringindo nenhuma lei são autênticos insultos aos princípios éticos mais básicos. Aliás, esta situação, é do meu ponto de vista um dos grandes contributos para a degradação da qualidade da nossa democracia e vida cívica. As relações entre o mundo da política e o mundo dos negócios em que assistimos à circulação despudorada de pessoas entre funções eticamente não compatíveis, ou o que se passa no âmbito de alguns processos judiciai mais mediatizados, são apenas exemplos deste despudor ético que não infringe leis.
A questão que me preocupa, tem preocupado, e, eventualmente continuará a preocupar, é se existe vontade política e capacidade de resistência a interesses muito poderosos, no sentido de legislar de forma a que não fiquemos todos tão expostos à arquitectura ética, ou falta dela, de cada um de nós, sobretudo dos que desempenham funções de maior relevo ou exposição.
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