sexta-feira, 2 de março de 2012

O MAL-ESTAR DA JUSTIÇA

A história é breve e está no Público, tendo sido já objecto de peça televisiva há algumas semanas. Um casal de idosos viu a sua casa deteriorar-se devido às obras da A10. Reclamou e foi alojado, provisoriamente(!!!), em 2003 num contentor onde ainda continuam. O processo foi para tribunal, a empresa responsável está insolvente e o processo foi arquivado. Entretanto o casal corre também o risco de despejo do contentor. É de filme.
Num outro registo, o presidente do Sindicato do Magistrados do Ministério Público afirma a propósito do seu congresso, que existem em Portugal “indecorosas margens de impunidade no âmbito evidentemente da justiça. Bem o sabemos.
Há pouco tempo, a própria Ministra afirmou que em Portugal "ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para pobres". Esta afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela justiça em Portugal o que não quer, evidentemente, significar da responsável pelo estado a que a justiça em Portugal chegou.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Entre 2008 e 2010, 5341 arguidos não foram condenados por prescrição dos crimes de que estavam acusados sendo que em 2009 a prescrição evitou a condenação de 1489 arguidos já condenados em primeira instância
Não se estranha, são recorrentes a demora, a manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça, ou seja, é uma justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento como a Ministra referiu, etc.
Parece-me ainda de relembrar um relatório de 2011, creio, da Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça no âmbito do Conselho da Europa com alguns dados interessantes e a não esquecer e de que recordo dois indicadores. A seguir à Itália somos o país com a justiça mais lenta entre os 45 países considerados. Um processo demora em média cerca de 430 dias a ser resolvido. Um outro dado significativo e muito curioso é que somos um dos países com um rácio maior de profissionais de justiça por 100 000 habitantes, 294,9, (envolve juízes, advogados, procuradores e notários). É notável, este facto transmite a ideia que esta gente toda se atropela, engarrafando processos e procedimentos.
Finalmente, a maior preocupação decorre da percepção de que ninguém parece verdadeiramente interessado em alterar este quadro apesar da retórica das afirmações. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como forte com os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É mau, muito mau.
A reforma do sistema de justiça é uma das componentes do programa estabelecido pela "troika". Pode ser que por imposição estrangeira, aí costumamos ser bons alunos, alguma mudança significativa possa ocorrer.
Oxalá. 

1 comentário:

Luis disse...

Bem, o Zé bem sabe a minha história recente: estando ausente vi a minha casa a ser pilhada e ninguém mexeu um dedo. Quatro semanas depois continuo à espera duma explicação da GNR e do ministério público para isto; em Portugal ninguém responde a emails. Ao que parece tenho 6 meses para apresentar queixa e portanto está tudo bem. Um dia algures alguém há de responder em tribunal, provavelmente leva pena suspensa, fazendo-se assim "justiça". Que entretanto eu fique sem bens, quando isso era perfeitamente evitável, e nunca mais os veja não preocupa ninguém, foram cumpridos todos os preceitos.

Entretanto o meu advogado que fez perante tudo isto? Absolutamente nada, não estou a brincar nem a exagerar, a tal ponto que há quatro semanas quando lhe perguntei se realmente queria ou podia continuar a representar-me nem sequer respondeu! E agora por este nada pede-me €1300 euros.

É assim a justiça em Portugal e eu nem contei a história a metade porque completa é bem pior.