Uma pequena nota introdutória. Passou relativamente despercebido o relatório da OCDE há semanas divulgado sobre as desigualdades entre os países que a compõem, “Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising” contendo a significativa informação de que Portugal lidera nos países europeus o fosso existente entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres. Em termos globais Portugal ocupa o sexto lugar.
Esta constatação sobre o fosso enorme que ainda permanece na população portuguesa entre os mais ricos e mais pobres aparece numa época particularmente marcada por austeridade e dificuldades pesadíssimas com cortes na massa salarial, pensões, reformas e apoios sociais, bem como o aumento de impostos, designadamente do IVA, implicando a subida generalizada de preços.
Esta nota vem a propósito do aumento significativo do custo das taxas moderadoras e do acesso a outros cuidados e serviços de saúde. Apesar da insistência no número de isentos é óbvio e reconhecido que estes aumentos criam dificuldades no acesso aos cuidados de saúde e já se verifica, conforme estudos da DECO e opinião de especialistas, o não recurso a serviços de saúde ou a terapêuticas por questões financeiras.
Especialistas em saúde pública atribuem o aumento de óbitos verificados nas últimas semanas, entre outros aspectos, aos efeitos das dificuldades económicas que as pessoas mais vulneráveis experimentam. Entendem que a gripe e o frio não explicam tudo.
Todos os dias ouvimos referências à necessidade de equidade na repartição de dificuldades e sacrifícios. Na maior parte das vezes estas referências fazem parte da retórica política sem impacto significativo em políticas promotoras de justiça social que só contribuem para manter, quando não acentuar, a disparidade entre os mais ricos e os mais pobres.
A sua manutenção decorre de questões de estrutura, os modelos de desenvolvimento económico e social que têm sido mobilizados não conseguem, como sublinhou o secretário-geral da OCDE, "O contrato social está a começar a deslaçar em muitos países. O estudo desfaz as assunções de que os benefícios do crescimento económico se transmitem automaticamente aos mais desfavorecidos e que favorecem uma maior mobilidade social”.
Será certamente difícil calcular o impacto económico que a degradação do acesso ao SNS poderá ter na saúde e qualidade de vida de muitas pessoas e, consequentemente, nos potenciais custos futuros agravados. Provavelmente, custarão mais do que os 200 milhões que o Ministério da Saúde afirmou esperar arrecadar com o aumento das taxas moderadoras.
É tudo uma questão de contas. Ou de pessoas?
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