terça-feira, 20 de março de 2012

AS PESSOAS QUE SOBRAM

O Velho Marrafa que trabalha comigo no Meu Alentejo, tem com frequência o condão de me surpreender com as suas falas, já aqui o tenho referido.
No sábado, durante a lida, abrir umas caldeiras para regar o pomar de laranjeiras que as nuvens vão madrastas, passam por alto e não deixam água, a conversa encaminhou-se para a referências às qualidades das pessoas.
O Velho Marrafa às tantas diz-me que há pessoas que sobram sempre. Nunca tal havia ouvido assim aplicado e a curiosidade levou ao pedido de explicação.
Olhou com aqueles olhos pretos sempre a rir e disse qualquer coisa nestes termos, "Ora Sr. Zé, uma pessoa que sobra é assim que alguém que não tem grande serventia, serve para pouca coisa, não gosta de trabalhar, não tem jeito para nada, às vezes nem para o cante ou para as lérias, que é coisa que toda a gente gosta, sobram sempre, não são companheiros para nada desta vida, olhe, alguns nem servem de companha para comer".
E continuou mais uns minutos a explicar com toda a gente deve saber e querer saber fazer alguma coisa que seja útil. Uma pessoa que saiba fazer qualquer coisa, nunca sobra, tem sempre companheiros.
Nunca tinha pensado nas pessoas que sobram, a partir deste ponto de vista. Sempre a aprender com o Velho Marrafa.
O problema é que ele já me disse que vai estando na altura de parar, é mais um mês ou dois, a estrada já vai longa, começou aos nove anos, vai nos setenta e um, o corpo já pede descanso. Eu sei que ele merece, mas o Velho Marrafa nunca sobra, sabe muito. Vou ter saudades, mas ele já prometeu que vai aparecendo no monte para umas lérias e uma cerveja. Ele é bom de companha, para usar as suas palavras.

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