No âmbito do processo de revisão do Estatuto do Aluno, o MEC ouviu as estruturas representativas dos pais e encarregados de educação, a CNIPE e a CONFAP. Ao que foi tornado público pelos responsáveis das Confederações, o MEC pretende "reforçar a autoridade dos professores e a responsabilização dos pais".
A intenção não é nova, em Novembro passado o mesmo Secretário de Estado afirmou, “Aqueles que são professores que saibam que nós lhes reconhecemos autoridade e que tudo faremos para que ela volte a estar na linha da frente ...". É interessante, é importante mas vindo do MEC poderá ser apenas mais um exemplo de discurso de conformidade, ou seja, está conforme o que se deseja ouvir, mas, em termos reais, corresponde a pouco.
A realidade não muda, para o melhor e para o pior, conforme a expressão dos desejos dos responsáveis do MEC, é mais complexa do que isso e não é permeável a desejos voluntaristas. No caso mais específico da indisciplina escolar, retomo algumas notas já por deixadas em textos anteriores.
Em primeiro lugar é importante clarificar o que está em causa. Permitir, por exemplo, que um telemóvel toque na sala de aula é indisciplina, insultar, humilhar, confrontar fisicamente uma professora é um comportamento pré-delinquente ou delinquente, donde, importa do meu ponto de vista, clarificar a análise.
A indisciplina escolar é matéria de competência da escola e matéria de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo os pais, naturalmente, e todas as figuras com relevância social, por exemplo, não se riam, políticos ou jogadores de futebol.
A pré-delinquência e delinquência entre crianças e jovens são um problema da comunidade de que a escola é PARTE da solução mas não é A solução. Aliás, na reunião de hoje a CONFAP defendeu “a alteração do Código Penal, com a tipificação das incivilidades ocorridas no espaço físico da escola como crimes públicos, não dependentes, portanto, de queixa do lesado”. Não me está claro o entendimento de "incivilidades".
O Estatuto do Aluno, qualquer que venha a ser, é um regulador, melhor ou pior, mas nunca A solução e, pela mesma razão, nunca será A causa da indisciplina. Daí a minha reserva face aos discursos do MEC.
Todas as figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais, professores, médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação social sobre esses traços. Dito de outra maneira, o facto de ser velho, polícia, professor ou médico, já não basta, só por si, para inibir comportamentos de desrespeito.
Do anterior resulta que, falar da restauração da autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante, mas é outro nada.
Um professor ganha tanta mais autoridade quanto mais competente se sentir. A grande questão da avaliação dos professores deveria ser entendida como ferramenta do seu desenvolvimento profissional. É também importante reajustar a formação de professores. As escolas de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos novos professores e pelos professores em serviço. Problemas "novos" carecem também de abordagens "novas".
Um professor ganha tanta mais autoridade quanto mais apoiado se sentir. O MEC não pode desenvolver políticas que socialmente deixem o professor desapoiado e, simultaneamente, afirmar que vai restaurar a sua autoridade e promover a sua valorização social. As escolas devem poder usar a sua autonomia para desenvolver dispositivos de apoio, por exemplo, a existência de outros técnicos e a utilização regular de dois professores em sala de aula. Não é necessário aumentar o número de professores, é imprescindível que os recursos sejam geridos de outra maneira.
Escolas organizadas, com cultura institucional sólida traduzida na adequação e consistência dos seus projectos educativos e com lideranças eficazes são mais organizadoras dos comportamentos de quem nelas habita, como qualquer outra organização.
Os discursos demagógicos e populistas, ainda que bem intencionados, não são um bom serviço à minimização destes incidentes que minam a qualidade cívica da nossa vida.
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