segunda-feira, 26 de março de 2012

A DIGNIDADE NÃO PODE SER AMEAÇADA

Nos tempos difíceis em que atravessamos é impossível não retomar com frequência os constrangimentos severos que muitos milhares de famílias atravessam. O Público de hoje sintetiza o que registou durante um ano de acompanhamento a quatro famílias tentando perceber os efeitos da "crise".
Como transparece dos exemplos seguidos, a emergência de um grupo alargadíssimo de pessoas que se viram arrastadas de forma inesperada para zonas de dificuldade nunca antecipadas, constitui um dos efeitos mais visíveis e graves de tudo o que vai acontecendo.
Na verdade, verifica-se o aumento exponencial o que se tem vindo a designar por "novos pobres", milhões de pessoas que apesar de terem emprego têm salários extremamente baixos e que, mercê dos cortes e aumentos realizados e prometidos, se sentem e vivem numa condição de pobreza não antecipada.
De facto, nos últimos tempos cresceram exponencialmente os casos do que se pode chamar de “pobreza envergonhada”, devido, naturalmente, aos níveis de desemprego, vai nos 19.5%, mas também decorrentes da falta de qualidade do emprego, aumento de impostos e perdas salariais. São pessoas que se julgavam a coberto deste tipo de riscos e que sentem um embaraço pessoal e social enorme para assumir as dificuldades porque passam. Contamos nesta altura com cerca de 2,7 milhões de pessoas em risco de pobreza e, a UE reconhece-o, as medidas de austeridade não têm sido equitativas, penalizando a classe média e as famílias com menores rendimentos.
Este cenário é absolutamente extraordinário. Para além das consequências óbvias das dificuldades, ainda se torna necessário, como várias vezes aqui tenho referido, acautelar a dignidade das pessoas afectadas. De facto, umas das consequências menos quantificável das dificuldades económicas, é o roubo da dignidade às pessoas envolvidas. Sabemos que se verifica oportunismo e fraude no acesso aos apoios sociais, mas a esmagadora maioria das pessoas sentem a sua dignidade ameaçada quando está em causa a sobrevivência a que só se acede pela “mão estendida” que envergonha, exactamente por uma questão de dignidade roubada. Os testemunhos recolhidos pelo Público são um bom exemplo.
A questão da pobreza é um terreno que se presta a discursos fáceis de natureza populista e ou demagógica, sem dúvida. Mas também não tenho dúvidas de que os problemas gravíssimos de pobreza que mais de dois milhões e meio de portugueses sentem e o facto também conhecido de que um terço das famílias têm um orçamento encostado ao limiar de pobreza, exigem uma recentração de prioridades e políticas que não se vislumbra.
Quando ouvimos que a "coisa está a correr bem" ou que estamos numa "revolução tranquila", soa a algo de embaraçante, está correr bem para quem? A tranquilidade sossega quem? Os mercados? Um grupo minoritário de pessoas?
A envergonhada pobreza deveria envergonhar-nos a todos, a começar por quem lidera. A que transforma é uma liderança com responsabilidade social e com sentido ético.

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