quarta-feira, 21 de março de 2012

A INCUBAÇÃO DO MAL

Embora a escrita que vou deixando no Atenta Inquietude sempre remeta para a realidade nacional, alguns episódios ocorridos fora de portas têm merecido referência esporádica pelas suas implicações, mesmo para nós.
Estaremos todos bem lembrados da tragédia de Oslo em que um indivíduo, jovem, aparentemente discreto, matou friamente umas dezenas de jovens participantes num encontro partidário.
Na altura, para além do sentimento de dor e perda, creio que perplexidade terá sido o que melhor caracterizou a sociedade norueguesa. aliás, patente nos testemunhos ouvidos na imprensa. Porquê? Porquê na Noruega, comunidade aberta, tolerante e segura? Porquê um norueguês e não um terrorista associado a redes conhecidas? Porquê? Porquê?
A dificuldade de responder a estas questões é da mesma ordem da dificuldade de encontrar meios seguros de evitar tragédias deste tipo. O episódio, com contornos semelhantes ao protagonizado por Timothy McVeigh que em Oklaoma, em 1995, causou 180 mortos e mais de 600 feridos, assumido por uma só pessoa, inteligente, socialmente integrada, numa sociedade aberta é, de facto, muito difícil de prevenir.
Lembram-se também dos distúrbios graves ocorridos no ano passado em Inglaterra protagonizados  fundamentalmente por jovens, que também deixou a sociedade surpreendida  e sem saber muito bem como reagir ou intervir perante o envolvimento de crianças e adolescentes em comportamentos surpreendentes pelo grau de destruição e pela ausência de controlo. Os comportamentos observados assemelham-se grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.
Também em Portugal têm ocorrido vários casos de violência extrema envolvendo jovens levando-nos questionar os nossos valores, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.
Nos últimos dias, soubemos de mais uma destas situações de extrema violência, agora em França, da presumível responsabilidade de uma jovem de 24 anos que executou várias pessoas, algumas das quais crianças.
A questão que me leva a estas notas é mais no sentido de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que, devagarinho, insidiosamente, começam interiormente a ganhar contornos que identificam os alvos, por vezes difusos, sentidos com os causadores desse mal-estar.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva possa drenar esse mal estar, nessa altura já ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio num liceu, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou o ataque a uma concentração de jovens de um partido que representa o "mal" ou a vinda para a rua numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente.
Por mais policiada que seja uma sociedade é extraordinariamente difícil prevenir processos desta natureza em que o mal se vai incubando e em que as ferramentas de acção são acessíveis. Provavelmente, a questão não é abdicar da abertura e da tolerância que caracteriza a nossa sociedade elevando o policiamento das comunidades a níveis asfixiantes. A questão, este tipo de questões, a iniciativa individual de natureza terrorista, ou os movimentos grupais descontrolados e reactivos, passará sobretudo por uma permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Na Noruega, na Inglaterra, nos Estados Unidos, em França ou em Portugal.

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