Iniciou-se hoje o julgamento do caso Freeport que teve o seu início há oito anos. Esta situação é apenas mais um lamentável exemplo da morosidade e ineficácia do nosso sistema de justiça. De acordo com o presidente do Sindicato do Magistrados do Ministério Público, existem em Portugal “indecorosas margens de impunidade no âmbito evidentemente da justiça". Bem o sabemos. Há pouco tempo, a própria Ministra afirmou que em Portugal "ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para pobres". Esta afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela justiça em Portugal o que não quer, evidentemente, significar da responsável pelo estado a que a justiça em Portugal chegou.
Muitas vezes tenho referido no Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça. Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Entre 2008 e 2010, 5341 arguidos não foram condenados por prescrição dos crimes de que estavam acusados, sendo que em 2009 a prescrição evitou a condenação de 1489 arguidos já condenados em primeira instância.
Não se estranha, são recorrentes a demora, a manha nos processos judiciais com a utilização de legislação complexa, ineficaz e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por quem a construiu que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça, ou seja, é uma justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento como a Ministra referiu, etc.
Não podemos antecipar o resultado do julgamento que hoje se inicia. No entanto, não será estranho que ele se prolongue por tempos sem fim, com base em manhosices e expedientes processuais usados por habilidosos advogados que exploram os alçapões que, por vezes, eles próprios construíram nas leis, de forma a deles beneficiarem, num jogo obsceno de cumplicidades e inaceitáveis jogos de interesse de diferente natureza. Atente-se, por exemplo, no processo que envolve Isaltino Morais.
Finalmente, a maior preocupação decorre da percepção de que ninguém parece verdadeiramente interessado em alterar este quadro apesar da retórica das afirmações. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a qualidade da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como forte com os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente injusto. É mau, muito mau.
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