No Público deste Domingo surge um trabalho sobre o complexo problema da adopção em Portugal. A peça centra-se no "fracasso" do apadrinhamento civil previsto na lei. Desde que a possibilidade se instituiu, levantou-se a questão de que o facto da lei não prever incentivos às famílias que apadrinhassem crianças institucionalizadas poderia suscitar fraca adesão. Prevaleceu o entendimento de que não seria desejável "pagar" algo que, entende-se, será da natureza dos afectos.
A medida do apadrinhamento civil teria como destinatários crianças que não tendo um projecto viável de adopção também não teriam condições de vivência na sua família biológica. Os casos foram residuais o que surpreende ainda assim alguns especialistas que procura a explicação na falta de informação e na eventual confusão entre o apadrinhamento e a adopção.
A questão é de facto complexa. É certo que já existem famílias de acolhimento que recebem temporariamente crianças durante processos de "reabilitação" das famílias biológicas, verificando-se situações em que o acolhimento dura até ao limite legal, 21 anos. Estas famílias recebem um montante pecuniário pelo "serviço" prestado às crianças.
Embora entenda as posições que recusam incentivos pecuniários às famílias penso que seria de considerar prever o incentivo colocando a possibilidade dos "padrinhos" dele prescindirem, como, aliás, sugere um especialista referido na peça do Público.
Um estudo recente realizado na Universidade do Minho aponta no sentido de que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos.
Apesar de alguma evolução, ainda temos um número de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos. Neste universo, acresce a dificuldade enorme de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família.
Neste cenário, diferentes modalidades que permitam que as crianças, sem possibilidade vivência nas sua famílias biológicas e sem condições de adopção, cresçam em contextos de natureza familiar mesmo que para tal se estabeleçam incentivos de natureza financeira, são, creio, de considerar com alguma abertura.
Em muitas circunstâncias, citando Betelheim, "l'amour ne suffit pas".
2 comentários:
Eu tenho dois filhos adoptados..., também tenho um biológico, nem para o biológico nem para os adoptados precisei de incentivo financeiro, a minha vontade de amar, de ser pai, bastou-me... porque haveria alguém de precisar de um incentivo financeiro para distribuir afectos?
Eu li a lei, supostamente este seria um vinculo para toda a vida... seria o incentivo para toda a vida?.. então e se terminar o dinheiro?, os padrinhos devolvem as crianças ao estado?
Comercializar os afectos costuma sempre dar mau resultado... sempre
Jorge Soares
Compreendo-o e estou de acordo consigo. No entanto, a questão do apadrinhamento é um pouco diferente da adopção e, mesmo que não gostemos, pode acontecer que o cenário actual contribua (embora não seja a única explicação) para o número muito residual de casos de apadrinhamento e, portanto, de crianças institucionalizadas sem referências familiares.
Agradeço o seu comentário / testemunho
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