A propósito do dia 12 de março de 2011 e na altura escrevi estas notas. "Do meu ponto de vista, as grandes questões colocadas na manifestação, a precariedade e o desemprego de uma geração que é a mais qualificada de sempre, dificilmente serão significativamente alteradas sem algo de estruturalmente diferente em matéria de organização do trabalho, refrescamento da organização política e alterações culturais e éticas entre as elites políticas, culturais e económicas. O problema é que, entre os que em Portugal plausivelmente podem ascender ao poder nos tempos mais próximos, não se vislumbra projectos e visões que alterem significativamente o quadro instalado, são, diria, mais do mesmo. Políticas de flexibilização do trabalho, protecção ao sistema financeiro, endeusamento de um mercado que é amoral e não ético, esvaziamento do estado social, etc., são as receitas que se conhecem por parte de quem se assume como alternativa, portanto, nada de diferente do que neste momento acontece.
Neste cenário podem estabelecer-se duas perspectivas de continuação a curto e médio prazo. Uma primeira hipótese aceitando que o movimento que ontem emergiu ganha uma dinâmica suficientemente forte continua a escapar à tentativa de controlo por parte dos aparelhos partidários e consegue potenciar e agregar mais zonas e franjas de descontentamento criando uma pressão incomportável para o sistema que o obrigaria a alterações significativas, uma espécie de arabização de brandos costumes. Nesta primeira hipótese importa ainda considerar as reacções no quadro da União Europeia. Uma segunda hipótese aceitando que o movimento, nesta fase disperso, pouco estruturado, acabe engolido pelos meandros da partidocracia tendo representado apenas um sobressalto inconsequente.
A manifestação de 12 de Março de 2011 mostrou, entre outras coisas, que existe clima e disponibilidade para o envolvimento e participação cívica e política dos cidadãos de diferentes gerações fora do quadro partidário. Durante a preparação da manifestação e nos dias seguintes assistimos a algumas intervenções oriundas das esferas partidárias que, de forma mais ou menos explícita, procuravam “apanhar boleia” neste movimento com a óbvia intenção de o capturarem e manter sob controlo. Pode acontecer o movimento agora iniciado venha a constituir-se um instrumento fundamental de mudança pois, se suscitar níveis de envolvimento e mobilização significativos, obrigará a uma reflexão profunda dos partidos e da sua praxis.
Neste cenário pode acontecer que, ou os partidos promovem mudanças e modernizam organização, práticas e valores e continuam como pilares fundamentais da vida democrática associados a outras formas de organização cívica, ou continuam a fechar-se sobre si próprios e os respectivos aparelhos, vivendo de grupo do fiéis que face ao abstencionismo progressivo vão mantendo o poder, ainda que rotativo, até que entrem e implosão ou até que movimentos sociais de natureza mais radical e reactiva às formas de poder imponham mudanças.
No fundo, trata-se de perceber se a nossa democracia evoluirá com os partidos, apesar dos partidos ou, perigosamente, contra os partidos."
Um ano depois, confirmada a mudança de governo e a emergência de um quadro de enormes dificuldades e pobreza, com mais desigualdade, temos mais gente à rasca e os motivos da indignação crescem.
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