De novo e sempre.
O peso insustentável da retenção no
nosso sistema escolar parece assentar na errada
convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso e alimenta o que a
OCDE já classificou de "cultura da retenção". Importa ainda
considerar o impacto económico desta cultura como evidenciou um estudo
realizado pela associação Empresários pela Inclusão Social e pelo Centro de
Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa.
Confesso que fico bastante
surpreendido quando ao discutir-se os efeitos da retenção, cerca de 150 000
alunos por ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação",
clamam que se está a promover o "facilitismo", o "então passam
sem saber".
Como me parece evidente não é
dada disto. Só como exemplo, a Noruega tem uma taxa de retenção próxima do 0% e
não consta que os alunos noruegueses passem sem saber, são, aliás, dos alunos
com melhores resultados nos estudos comparativos internacionais.
A questão é saber se o chumbo
transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não
produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.
Nesta conformidade e do meu ponto
de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou
o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem
estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da
percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz
medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com
diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional.
Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de
sucesso para alunos e professores. O aumento do número de alunos por turma no
Ensino Básico e no Secundário, a forma como foram definidas as metas curriculares, a cultura de competição e centrada exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que não deve ser feito
se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso.
Como é evidente este tipo de
discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito
menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma
tentação a que nem sempre se resiste.
Assim sendo, o essencial é
promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos
adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz
medida do chumbo. É necessário também diversificar percursos de formação com
diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional mas
não nas idades que o MEC defende, criando percursos de "segunda" para
os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
Não tenho nenhum princípio
fundamentalista contra os exames, embora no 1º ciclo me pareçam dispensáveis,
as provas de aferição cumpriam o papel de regulador do sistema. No entanto,
entender que os exames, quanto mais melhor, só por existirem são fonte de
qualidade, parece decorrer da estranha convicção de que se medir muitas vezes a
febre, esta irá baixar o que é, no mínimo, ingénuo.
A qualidade promove-se, é certo e
deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim,
naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a
definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio
a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas
que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de
autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de
objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente,
nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.
É o que não acontece em Portugal.
É o que o Ministro Nuno Crato
parece entender que não deve existir em Portugal.
Ponto.
2 comentários:
Como sabe, os apoios educativos prestados aos alunos, pelo menos a partir do 2.º ciclo, estão condicionados pelo número de professores disponíveis, de acordo com o número de horas de redução da componente letiva que esses professores vão adquirindo aos 50/ 55/ 60... anos de idade, ao abrigo do artigo 79.º do Estatuto da Carreira Docente.
Ora a legislação dá-lhes o direito de verem a sua componente letiva reduzida, por terem já uma considerável idade, que determinará algum cansaço, tendo em conta que se trata de uma profissão de desgaste rápido, mas depois a própria legislação prevê que dediquem essas horas de redução a apoios educativos que as direções das escolas sobrecarregam com inúmeros alunos (10/15 alunos por grupo, em disciplinas como Matemática, por exemplo), como uma panaceia para todos os males. Na prática, esses alunos com muitas dificuldades são selecionados das respetivas turmas de 30, para formarem uma pequena turma de apoio, com 45 minutos por semana, normalmente marcados ao final da tarde, quando os outros vão para casa, ou seja, tipo castigo para os que ficam.
Diz a legislação que essas horas de redução da componente letiva dos docentes deviam ser dedicadas a apoios individualizados, subentendendo-se que devia caber um aluno a cada docente, o que nunca acontece. Aliás, há muito que as escolas vêm prescrevendo aqui e ali apoio individualizado/ personalizado para alunos com dificuldades, considerando que ele pode ser prestado pelo professor onde quer que seja, inclusive na própria aula curricular da turma que pode ter 30 alunos.
Fora isto, na escola pública, não há mais apoio nenhum, sendo a retenção o culminar de muito fracasso educativo, com múltiplos responsáveis, infelizmente.
Tempos houve me que os professores/ conselhos de turma optavam por permitir a progressão de alunos sem saberem as matérias, na esperança de que atingissem esses conhecimentos e os objetivos previstos até ao final do ciclo em que se encontravam. Agora, com a cultura de exame que se impôs em todos os ciclos e, sobretudo, com a introdução das metas curriculares por ano de escolaridade, essa prática deixou de ser possível, sem que a nova realidade se fizesse acompanhar de novas estratégias de combate ao insucesso, aumentando assim as taxas de retenção com certeza.
Boa análise, Ana.
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