quarta-feira, 21 de outubro de 2015

TAL PAI, TAL FILHO

O Público faz referência a um estudo coordenado por Anália Torres, "Reproduzir ou contrariar o destino social?" que conclui, “A classe social de origem e a educação dos pais ainda têm muito peso no percurso escolar dos filhos. A origem social ainda pesa muito, apesar de os filhos com ensino superior terem triplicado em relação aos pais que tinham chegado a esse nível”,
Nada de novo, a capacidade preditora da variável escolaridade dos pais relativamente ao percurso escolar dos filhos é ainda muito significativa. A análise dos resultados escolares em exames nacionais cruzando com a habilitação escolar dos pais mostra isso mesmo. Como exemplo e considerando os exames de 2014, na escola pública melhor colocada, a Escola Raul Proença, nas Caldas da Rainha, a média das habilitações das mães, é de 12 anos e tem 8,6% dos seus alunos oriundos de famílias carenciadas apoiados no 1º escalão da acção social escolar.
Na Escola Secundária de Resende que apresenta a média mais baixa, 7,3 valores, as mães dos alunos têm, em média, apenas o ensino primário completo, 5,1 anos de estudo, e tem no escalão mais carenciado 30% dos alunos.
Recordo também uma análise da OCDE, cruzando os resultados escolares dos alunos de diferentes países no Estudo comparativo PISA relativos a 2012 com as profissões dos pais, mostra que em Portugal, mais do que noutros países, os filhos de pais mais qualificados têm melhores resultados.
Na verdade, desde sempre que os estudos, designadamente no âmbito da sociologia da educação, associam a carreira escolar e o estatuto profissional dos filhos ao nível de escolaridade e estatuto económico dos pais. Também sabemos que isto é tanto mais evidente quanto maiores são os níveis de desigualdade. Em Portugal verifica-se um dos maiores fossos entre ricos e pobres da União Europeia pelo que a relação entre os níveis escolar e salarial dos pais e os dos filhos é ainda mais forte. O trabalho agora apresentado vem, mais uma vez, confirmar a realidade que conhecemos, a incapacidade da escola de promover mobilidade social, ou seja, o nível de escolaridade dos pais marca de forma excessiva o nível atingido pelos filhos. A situação sempre assim foi, ainda me lembro de quando era pequeno, haver quem se admirasse do meu pai, um serralheiro, ter decidido que eu continuaria a estudar.
Acresce que as circunstâncias conjunturais, provavelmente estruturais, que vivemos permitem, aliás, admitir uma mobilidade social descendente produzindo uma classe de "novos pobres", que tendo anteriormente ascendido a patamares médios se sentem agora em processo significativo de degradação das condições e qualidade de vida. Neste contexto, a que se junta uma política educativa que parece ter como desígnio a promoção de uma espécie de darwinismo socioeducativo, em que por sucessivos processos de selecção que não garantem equidade nas oportunidades, a educação e a qualificação não promoverão mobilidade social ascendente.
Deste quadro, resulta uma complexa situação que poderemos de forma simplista colocar nestes termos, a escola ao acabar por reproduzir a desigualdade social à entrada, compromete o papel fundamental que lhe cabe na promoção da mobilidade social, ou seja, a escola que deveria ser parte da solução, na prática, corre o risco de continuar a ser parte do problema. No entanto e apesar disto, creio que muito poderá e deverá ser feito no sentido da promoção efectiva da chamada e distante equidade e igualdade de oportunidades.
Do meu ponto de vista, muitas vezes aqui afirmado, a questão central é a qualidade na escola pública. Esta qualidade deverá assentar em três eixos fundamentais, a qualidade considerando resultados, processos, autonomia e gestão optimizada de recursos, segundo eixo, qualidade para todos, a melhor forma de combater os mecanismos de exclusão e a desigualdade de entrada e, terceiro eixo, diferenciação de metodologias dos percursos de educação e formação. Esta diferenciação de percursos deve passar, e temos registado progressos nesta área, por uma oferta bastante mais variada ao nível do secundário possibilitando a muitas jovens completar este nível de ensino com competências profissionais, isto é que é fundamental. Também ao nível do ensino superior, com o trabalho no âmbito do ensino politécnico se criam condições para processos de qualificação mais curtos e mais diversificados.
No actual cenário, quando se entende e espera que a educação e qualificação possam ter um papel decisivo na minimização de assimetrias, as políticas, os custos e a dificuldade de acesso podem, pelo contrário, alimentar essas assimetrias e manter a narrativa, "tal pai, tal filho", pai letrado, filho letrado e pai pouco letrado, filho pouco letrado.
Assim sendo, urge a definição de uma política educativa para o médio prazo, estabelecida com base no interesse de todos, com definição clara de metas, recursos, processos e avaliação. A continuar na deriva a que nas última décadas nos entregamos, daqui a algum tempo um novo estudo ou a OCDE virá dizer exactamente o mesmo.

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