quarta-feira, 17 de junho de 2015

BRINCAR, A ACTIVIDADE MAIS SÉRIA QUE AS CRIANÇAS REALIZAM

O DN pediu-me um comentário à notícia e aqui deixo umas notas no mesmo sentido do que referi ao jornal.
À iniciativa da Lego, através da sua Fundação, não serão certamente alheios os potenciais dividendos em termos de marketing e inscreve-se numa cultura de relação entre a universidade e as empresas que se vai verificando em muitas partes o globo como forma de financiamento da própria universidade. Sobre isto não faço qualquer apreciação.
A questão que me parece de realçar é mensagem envolvida na criação num contexto universitário de um espaço curricular e de um Centro de Investigação dedicado ao brincar, a actividade mais séria que as crianças realizam e que actualmente foi revista em baixa, lamentavelmente.
Na verdade, há muitos anos, lembro-me bem, ainda brincávamos na rua, melhor dizendo, ainda brincávamos. É certo que muitos de nós não tiveram muito tempo para brincar, logo de pequenos ficaram grandes. Não tínhamos muitos brinquedos, mas tínhamos um tempo e um espaço onde cabiam todas as brincadeiras.
Entretanto, chegaram outros tempos, estes tempos. Tempos que não são de brincar, são de trabalhar, muito, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a felicidade, entendem. Roubaram aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.
Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”, “eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.
Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres”, que de livres têm pouco, onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.
Também são encaixados em dezenas de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.
Era bom escutar os miúdos. Se perguntarem aos miúdos, vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que eles fazem, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser.
É também por isto que me parece interessante, para além dos aspectos económicos envolvidos, esta iniciativa da Universidade de Cambridge e da Fundação Lego.

4 comentários:

Anónimo disse...

Li um pouco na diagonal.

Mas Cambridge já é bastante conhecida por todos nós por implementar em POrtugal uma prova que se chama PET.

Anónimo disse...

"Era bom escutar os miúdos."

Uma óptima sugestão.

O que se aprende é impressionante.

Eu não vou mais longe e fico-me nos GAD das escolas (Gabinete de Apoio Disciplinar)- o que se aprende com estes miúdos e menos miúdos daria, só por si, uma óptima tese de investigação.

Zé Morgado disse...

A PET é mais uma PPP sem grande sentido. Valorizar o brincar é algo com muito sentido nos tempos que correm, em Cambridge ou em Lisboa.

Zé Morgado disse...

Aliás, a propósito ainda de "escutar os miúdos" tenho para mim que quando muita gente se queixa de eles gritam muito será porque só assim são ouvidos (mas nem sempre escutados)