terça-feira, 2 de junho de 2015

MALTRATAR NÃO É GOSTAR

É um problema de dimensão preocupante quer pelo presente quer pelo que pode significar no futuro, a indomesticável violência doméstica, por exemplo.
De facto, esta questão, a violência e abusos de diferente natureza em relações amorosas entre adolescentes e jovens, não tem, do meu ponto de vista, merecido a atenção que a sua gravidade e prevalência justificam.
Um trabalho da responsabilidade da Universidade do Porto envolvendo um grupo populacional significativo, cerca de 3000 jovens nascidos em 1990, divulgado no início de 2014 mostrava que no âmbito das relações de namoro, 60% dos jovens inquiridos relataram pelo menos um caso de agressão psicológica, insultar por exemplo. Um em cada três jovens também refere pelo menos um episódio de coacção sexual e 18 % referiram pelo menos um acto de violência física, bater ou arremessar um objecto com o objectivo de atingir o outro. É ainda de registar que mais de metade dos jovens envolvidos assume o estatuto de vítimas mas também de agressores.
Estes números que são coerentes com outros estudos sobre comportamentos de violência nas relações amorosas indiciam o que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais.
Este conjunto de dados é preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é surpreendente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados destes e de outros trabalhos.
Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento que os nossos desejos e estão, também e obviamente, ligados ao quadro de valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é relevante a percentagem de jovens que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus tratos.
Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Acontece que o MEC acha dispensáveis os conteúdos curriculares relativos à formação pessoal e formação cívica num entendimento mais do que discutível e só explicado pela política contabilística em que boa parte da política educativa se transformou.
Entretanto e enquanto não mudo, "só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"

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