A propósito do artigo de Filinto Lima no Público “Os alunos indisciplinados não gostam de teorias” e porque me
parece justificado retomo umas notas sobre esta questão que há algum tempo aqui
tinha deixado.
Ao abordarmos a
"indisciplina na escola" importa em primeiro lugar clarificar o que
está em causa. Permitir, por exemplo, que um telemóvel toque na sala de aula ou
outros comportamentos desadequados em sala de aula ou na escola serão
indisciplina, insultar, humilhar, confrontar fisicamente um professor,
comportamentos frequentes de agressão ou roubos a colegas configuram
pré-delinquência ou delinquência e comportamentos disruptivos podem ainda estar
ligados a perturbações de natureza psicológica.
A escola não pode ser
responsabilizada e considerada competente por e para todo este universo de problemas
nos comportamentos dos mais novos. Para situações de pré-delinquência ou
perturbações do comportamento pode, evidentemente, dar contributos mas não
assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a análise.
Centremo-nos então na
indisciplina escolar que considero matéria de competência da escola e matéria
de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo os pais, naturalmente, e
todas as figuras com relevância social, por exemplo, não se riam, políticos ou
jogadores de futebol.
Desde 2012, ano em que o Estatuto
do Aluno entrou em vigor, 400 alunos já foram obrigados a mudar de escola
devido a actos de indisciplina graves. Seria interessante perceber se daí
advieram alterações no seu comportamento. A medida prevista de multas e cortes
de subsídios aos pais dos indisciplinados não foi aplicada em nenhum caso o que
me parece sensato.
Como curiosidade e dado acrescido
recordo que um estudo de conhecido em 2014 desenvolvido pela Universidade do
Minho revelava que 84% dos professores do ensino básico inquiridos entende que
a indisciplina escolar aumentou nos últimos anos sendo que 2,5% sustenta que a
situação melhorou e 11% afirma que a situação estabilizou. Sabe-se também que
boa parte do tempo dos professores em sala de aula é gasto na gestão do comportamento
dos alunos em detrimento das tarefas de ensino.
O Estatuto do Aluno, no qual o
MEC depositava públicas esperanças que me pareceram, desde sempre,
sobrevalorizadas e desadequadas face aos seus conteúdos e à realidade das escolas
e comunidades actuais, qualquer que seja, é um regulador, melhor ou pior, mas
nunca A solução e, pela mesma razão, nunca será A causa da indisciplina. Daí a
minha reserva face aos discursos do MEC acreditando que do lado de fora da
escola os problemas se resolverão.
Parece-me também de referir que
todas as figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais,
professores, médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação
social sobre esses traços. Dito de outra maneira, o facto de ser velho,
polícia, professor ou médico, já não basta, só por si, para inibir
comportamentos de desrespeito pelo que importa perceber o impacto destas
alterações nas relações entre professores e alunos.
As mudanças significativas no
quadro de valores e nos comportamentos criam dimensões novas em torno de um
problema velho, a indisciplina. Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a
autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade
porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala
em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava
antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante,
mas é outro nada.
Um professor ganha tanta mais
autoridade quanto mais competente e apoiado se sentir. O apoio aos professores
é um problema central no que respeita à indisciplina mas não só.
Assim sendo, o MEC não pode
desenvolver políticas que socialmente deixem o professor desapoiado, que
comprometam o clima e a qualidade de trabalho nas escolas e, simultaneamente,
afirmar que vai restaurar a sua autoridade e promover a sua valorização social.
Também por isto se questiona a incompetente constituição de mega-agrupamentos e
de escolas e turmas com dimensões excessivas, variável associada à indisciplina
escolar.
É também importante reajustar a
formação de professores. As escolas de formação de professores não podem
“ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos
novos professores e pelos professores em serviço. Problemas "novos"
carecem também de abordagens "novas".
Parece também importante a
existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a
existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Veja-se o trabalho
dos GAAFs apoiados pelo IAC, experiências no âmbito da intervenção da
Associação EPIS ou iniciativas que algumas escolas conseguem desenvolver e que
permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e identificar
as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outras
medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ.
Um caminho de autonomia, com a
alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na
gestão curricular, deveriam permitir que as escolas, algumas escolas, mais
problemáticas tivessem menos alunos por turma, mais assistentes operacionais
com formação em mediação e gestão de conflitos ou ainda que se utilizassem,
existindo, professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Por outro lado, os estudos e as
boas práticas mostram que a presença simultânea de dois professores é um
excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de
problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às
dificuldades dos alunos.
As dificuldades dos alunos estão
com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com
sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de
indisciplina.
Os professores também sabem que
na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus
comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir
sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina nos castigos aos
alunos e nas multas e retirada de apoios aos pais, é ineficaz, é facilitista na
medida em que é a medida mais fácil e mais barata, é demagógica porque vai ao
encontro dos discursos populistas que aplaudem a ideia do "prender"
do "expulsar" até ficarem só os nossos filhos.
O problema é quando também nos
toca a nós, aí clamamos por apoios.
Os discursos demagógicos e
populistas, ainda que bem intencionados, não são um bom serviço à minimização
dos muito frequentes incidentes de indisciplina que minam a qualidade cívica da
nossa vida além, naturalmente, da qualidade e sucesso do trabalho educativo de
alunos, professores e pais.
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