segunda-feira, 8 de junho de 2015

PODERÍAMOS VIVER SEM O "ESQUEMA" ... MAS NÃO ERA A MESMA COISA

Em Lisboa e durante 2014 foram instaurados pela Carris e Metropolitano mais de trinta mil processos por falta de bilhete de transporte, de que resultaram mais de cinco milhões de euros em multas. Acresce que este valor apenas reporta casos identificados e não o volume do recurso à “borla”.
Dir-se-á que o preço dos transportes públicos e as dificuldades das famílias explicarão estes dados. No entanto, para além destes factores acho que estes comportamentos fazem parte do habitual funcionamento da nossa comunidade.
De facto, nos mais variados sectores o recurso à “borla”, ao “jeitinho”, ao “eh pá um gajo tem que se safar”, um “favorzinho”, uma “palavrinha” que facilita o negócio ou o procedimento, etc., etc., são uma constante.
É uma questão de escala.
Do BPN/SLN ao BPP e ao BES, dos gestores e do mau uso de dinheiros públicos, das negociatas e tráfico de influências e amiguismo, do enriquecimento sem justificação, do Primeiro-ministro que não sabia que deveria fazer descontos para a Segurança Social, do ex-Primeiro-ministro detido preventivamente por alegada corrupção, do cartel presente em várias áreas, dos jobs for “the boys and girls” com o cartão certo, da falsa baixa médica, enfim, de tudo o que lamentavelmente conhecemos se conclui que é apenas umas questão de escala, entre os cêntimos e os milhões, muitos milhões.
Trata-se, pois, de um comportamento generalizado e com o qual, do meu ponto de vista, parecemos ter uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre “desinteressadamente", é claro.
Por outro lado, também não acreditamos que exista verdadeira vontade política de combater algumas das dimensões mais pesadas, por assim dizer, deste universo. Veja-se, por exemplo, o que tem sido na Assembleia da República a narrativa no sentido de legislar sobre o enriquecimento ilícito.
A teia de interesses que ao longo de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública, central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e segurança, parte substantiva da comunicação social e muito do nosso funcionamento quotidiano, dificulta seriamente um combate eficaz e mudança cultural nesta matéria.
Este combate passará, naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela formação cívica que promova uma outra cidadania.
Acontece que, também por aqui não vai ser fácil, a formação cívica desapareceu dos conteúdos curriculares obrigatórios. Já não precisamos, entenderão na 5 de Outubro, temos formação cívica que chegue.
Certamente que poderíamos viver sem o “esquema”, mas não era a mesma coisa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Professor, deixo aqui um Link... não sei se deva rir ou Chorar.

Passos Coelho continua preocupado com o número diminuto de licenciados em Portugal.

http://ionline.pt/artigo/395336/passos-coelho-continua-preocupado-com-o-n-mero-diminuto-de-licenciados-em-portugal?seccao=Portugal_i

Cumprimentos
Pedro.

Zé Morgado disse...

É Pedro, o despudor não tem limite, tenho escrito muitas vezes sobre isso. Nós não temos gente qualificada a mais, temos desenvolvimento a menos. Mas só a educação/formação promove desenvolvimento.