terça-feira, 16 de junho de 2015

DO INVERNO DEMOGRÁFICO (E não só)

A situação portuguesa no que respeita aos nascimentos e renovação geracional continua a agravar-se. Apesar da retórica política sobre esta matéria, parece cada vez mais difícil reverter a tendência como alguns países europeus já conseguiram, casos da França e Irlanda.
O pacote de medidas do Governo com o objectivo de "remoção dos obstáculos à natalidade" parece não responder ao inverno demográfico que vivemos. Algumas notas registando como encaro com reservas medidas que não alterem alguns aspectos das políticas seguidas nos últimos anos.
Como aqui escrevia há algum tempo, Portugal integra o grupo com menores apoios sociais para que os pais fiquem mais tempo em casa com filhos pequenos sendo que sobretudo nas zonas mais urbanas, (o interior desertifica-se o que também contribui para a baixa natalidade), a oferta de estruturas formais de acolhimento de bebés e crianças é insuficiente. Acresce que Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças.
Vivemos com uma taxa de desemprego que, oficialmente, ronda agora os 15% mas que sabemos atingir bastante mais gente. Muitas destas pessoas são sobretudo jovens ou mais idosos, o que, por razões diferentes, uns não podem assumir o encargo com filhos, os outros porque não têm recursos para ajudar os seus filhos, torna difícil a promoção da natalidade.
Importa ainda não esquecer a discriminação salarial de que muitas mulheres, sobretudo em áreas de menor qualificação, são ainda alvo e a forma como a legislação laboral e a sua “flexibilização” as deixam mais desprotegidas. São conhecidas muitas histórias sobre casos de entrevistas de selecção em que se inquirirem as mulheres sobre a intenção de ter filhos, sobre casos de implicações laborais negativas por gravidez e maternidade, sobre situações em que as mulheres são pressionadas para não usarem a licença de maternidade até ao limite, etc. Foi recentemente noticiado que algumas empresas exigem às mulheres um compromisso de que não irão engravidar nos próximos 5 anos. Não adianta argumentar com o quadro legal existente ou que venha a existir. Em Portugal a lei tem mais um carácter indicativo que imperativo.
O fluxo de emigração jovem nos últimos anos é impressionante é pouco provável que se verifique o retorno da maioria que emigrou.
Por outro lado, em tempos altamente competitivos com a proletarização do trabalho com cortes sucessivos nos salários e nas prestações sociais, as pessoas hipotecam os projectos de vida em troca das migalhas que permitam a sobrevivência o que lhes retira margem negocial ou liberdade de escolha.
A fiscalização e regulação são insuficientes, uso e abuso de estágios não remunerados ou miseravelmente pagos e que não asseguram continuidade, condições de trabalho degradantes cuja não aceitação implica a perda do lugar em troca por alguém ainda mais necessitado e, portanto, calado.
A promoção de projectos de vida familiar que incluam filhos implica, necessariamente, intervir nas políticas de emprego e protecção do emprego e da parentalidade, na discriminação e combate eficaz a abusos e a precariedade ilegal, na inversão do trajecto de proletarização com salários que não chegam para satisfazer as necessidades de uma família com filhos e custos elevados na educação apesar de uma escolaridade dita gratuita, na fiscalidade, por exemplo. A questão é que a política que tem vindo a ser seguida não permite acreditar que existam alterações.
É ainda urgente que se promova a acessibilidade real (na distância e nos custos) aos equipamentos e serviços para a infância com o alargamento da resposta pública de creche e educação pré-escolar, cuja oferta está abaixo da meta estabelecida.
É uma questão de futuro.

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