sábado, 6 de junho de 2015

FORMAS-TE CÁ DENTRO, TRABALHAS LÁ FORA. O FUTURO NÃO MORA AQUI

De acordo com um estudo divulgado pela Ordem dos Médicos realizado por 31 médicos envolvendo mais de 800 médicos em formação no internato de especialidade de 45 especialidades diferentes, distribuídos por unidades de todo o país, cerca de 65% admitem emigrar depois da formação.
O número é preocupantemente significativo mas, lamentavelmente, não surpreende.
Recordo um estudo recente encomendado pela Presidência da República e realizado por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Emprego, Mobilidade, Política e Lazer: situações e atitudes dos jovens portugueses numa perspectiva comparada, em que cerce cerca de 70% dos jovens entre os 15 e 24 anos inquiridos encara a hipótese de emigrar. Estes jovens colocados perante a afirmação “daqui a dois anos, a crise terá terminado e a situação do emprego em Portugal será melhor do que hoje”, 60,8% entre os 15 e os 24 discordou e 66,5% entre os 25 e os 34 também não concordou.
Acresce que os dados também confirmavam que a proporção de jovens sem trabalho há mais de um ano é “muito significativa”. Entre os inquiridos, dos 15 aos 24 anos, 38,2% estão sem emprego há mais de um ano; entre os 25 e os 34 anos a percentagem chega aos 52,8%.
Este conjunto de dados parece profundamente elucidativo e inquietante reflectindo a falta de confiança num futuro por cá, o insustentável nível de desemprego jovem e, simultaneamente, a falta de interesse e motivação pela acção política, justamente, a forma de em democracia promover mudanças.
Talvez se recordem de há poucos dias o geniozinho Poiares Maduro, Ministro-adjunto, e há algum tempo a Ministra das Finanças terem irresponsavelmente desvalorizado o fenómeno da emigração jovem.
A maioria dos jovens que parte, conforme os estudos apontam, não o faz porque quer “fazer opções lá fora” como afirmou Maria Luís Albuquerque, partem porque não têm opções cá dentro e este êxodo não pode ser “relativizado” ou desvalorizado, é um drama para o país e um drama para muitas famílias.
Na verdade, a emigração parece estar a constituir-se como via quase exclusiva para aceder a um futuro onde caiba um projecto de vida positivo e viável, algo que por cá não é fácil de definir. Aliás, vários outros inquéritos a estudantes universitários mostram como muitos admitem emigrar em busca de melhores condições de realização pessoal e profissional apesar de muitos afirmarem que pretendem voltar.
Somos um país de emigrantes de há séculos pelo que este movimento de partida, só por si, não será de estranhar. No entanto, creio que é preocupante constatarmos que durante muitos anos a emigração se realizava na busca de melhores condições de vida, a agora a emigração realiza-se à procura da própria vida, muita gente, sobretudo jovens não tem condições de vida, tem nada e parte à procura, não de melhor, mas de qualquer coisa. Este vazio que aqui se sente é angustiante, sobretudo para quem está começar, se sente qualifica e com o desejo de construção de um projecto de vida viável e bem sucedido.
Por outro lado e como é reconhecido, de uma forma geral, o ensino superior e a investigação em Portugal têm uma qualidade que internamente nem sempre é reconhecida e que se evidencia na frequência com que em diversas áreas se assiste à contratação de jovens que estudaram em Portugal para trabalho em empresas ou em investigação em diferentes países, onde se incluem, por exemplo, a Inglaterra, a Alemanha ou os Estados Unidos que não são propriamente países com baixo nível de desenvolvimento científico. Daí perceber-se as intenções dos médicos em formação.
Neste quadro, torna-se ainda mais preocupante a partida para o estrangeiro de muitos milhares de jovens, com formação superior de elevada qualidade, porque em Portugal um projecto de vida viável e com sucesso é uma miragem. Este êxodo tem, obviamente, com profundas consequências para um país como Portugal.
Em primeiro lugar, porque sendo um país com uma fortíssima necessidade de qualificação nas empresas, vê partir os que mais preparados estariam o que terá, evidentemente, um impacto económico significativo. Aliás e curiosamente, este entendimento é recorrentemente afirmado por um Governo com forte responsabilidade pela emigração forçada de milhares de jovens com formação superior, designadamente trabalhadores na área científica, que não vislumbram o futuro em Portugal.
Em segundo lugar, porque importa não esquecer que os custos da formação dos jovens qualificados em Portugal são suportados por todos os nós no caso do ensino público,  e das famílias ou dos próprios na formação em estabelecimentos privados embora, considerando também o ensino público, os custos para as famílias na frequência de ensino superior em Portugal seja dos mais altos na Europa.
Isto significa que Portugal, o estado, 400 000 euros por cada médico, e as famílias, suportam os custos da formação e os outros países aproveitam essa qualificação uma vez que os jovens não conseguem desenvolver o seu trabalho em Portugal.
E o futuro? O futuro não mora aqui.

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