sexta-feira, 5 de junho de 2015

DAS VIDAS JOVENS SEM PROJECTO E SEM FUTURO

Lamento mas não vou falar de novo sobre a saída de Jorge Jesus do Benfica para o Sporting. É mais do que suficiente a cobertura mediática ad nauseam que este episódio tem tido. Venho retomar uma matéria que não consegue competir com a importância e impacto da trocas do mundo do futebol, sobre o qual, para evitar mal entendidos reafirmo a minha paixão, a vida de muitos jovens que por razões de delinquência cumprem internamento nos Centros Educativos pois, devido à idade, não podem, embora existam caso, cumprir pena em prisões.
O I apresenta um trabalho interessante com histórias de jovens que estão nos Centros Educativos e as suas perspectivas de vida. É inquietante perceber como os jovens abordados não vislumbram com confiança um futuro diferente do passado que ali os trouxe, exclusão e delinquência. Algumas notas.
Os Centros Educativos, as instituições que recebem jovens envolvidos em situações de delinquência mais grave sofrem de uma reconhecida sobrelotação e falta de recursos humanos com qualificação pelo que dificilmente cumprem o seu papel fundamental de reabilitação através da construção de programas de educação e formação profissional.
Segundo dados da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, 24% dos jovens de alto risco de envolvimento em comportamentos de delinquência e a quem foram aplicadas medidas tutelares incluindo o internamento em Centros Educativos reincidiram nos primeiros 12 meses e ao fim de 26 meses a taxa de reincidência sobe para 48.6%. É de recordar que segundo o Relatório de Segurança Interna de 2014, a delinquência de jovens foi dos crimes cuja prevalência subiu nitidamente.
De acordo com um estudo divulgado há meses, realizado no âmbito do Programa de Avaliação e Intervenção Psicoterapêutica no Âmbito da Justiça Juvenil, promovido pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e co-financiado pela Comissão Europeia, revelou que a média etária dos rapazes dos centros é de 16,6 anos. Em geral, acumulam mais de três anos de chumbos na escola, e, em 80% dos casos, são de famílias cujo estatuto socioeconómico é baixo. É ainda relevante que mais de 90% dos que foram entrevistados têm pelo menos uma perturbação psiquiátrica, “o que é um dado astronómico”, como classificou Daniel Rijo, professor da Universidade de Coimbra, um dos autores do trabalho para a DGRSP. Nem todos têm o acompanhamento que seria necessário, admitiu.
Sempre que estas matérias são discutidas, os especialistas acentuam a importância da prevenção e da integração comunitária como eixos centrais na resposta a este problema sério das sociedades actuais pelo que a resposta recentemente criada, (mas ainda só no papel) “casas de autonomização” pode constituir-se como um contributo se dotada de recursos adequados.
As Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, em reestruturação, sentem-se incapazes de acompanhar o volume de casos das respectivas comunidades, gerando situações, muitas conhecidas, com fim grave de crianças que depois ficamos a saber que estavam “sinalizadas” ou “referenciadas”, mas sem resposta.
Sabemos que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, no entanto, importa ponderar entre o que custa prevenir e cuidar e os custos posteriores do mal-estar e da pré-delinquência ou da delinquência continuada e da insegurança.
Parece ser cada vez mais consensual que mobilizar quase que exclusivamente dispositivos de punição, designadamente a prisão, parece insuficiente para travar este problema e, sobretudo, inflectir as trajectórias de marginalização de muitos dos envolvidos mais novos em episódios de delinquência.
No entanto a discussão sobre estas matérias é inquinada por discursos e posições frequentemente de natureza demagógica e populista alimentados por narrativas sobre a insegurança e delinquência percebida, alimentadora de teses securitárias.
Apesar de, repito, a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade instalada, é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.
É em todo este caldo de cultura que nascem e se desenvolvem as sementes de mal-estar.
É urgente que nos questionemos e questionemos as instituições, em nome dos nossos filhos e dos filhos dos nossos filhos.
Recordo Brecht, "Do rio que tudo arrasta diz-se que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem".

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