Por diversas ocasiões tenho aqui
manifestado a minha reserva face ao entendimento de que tudo o que possa de
alguma forma dizer respeito aos mais novos deve ser ensinado na escola. Esta
visão obesa da escola não funciona, nem tudo deve ser transformado em
disciplinas escolares, para além de que a escola tem um conjunto de funções
incontornáveis que tornam finita a sua capacidade de responder.
Vem esta introdução a propósito do
Programa da responsabilidade de uma organização, a Junior Achievement Portugal,
que com o apoio de um conjunto de empresas promove acções em escolas com o
objectivo de desenvolver competências de empreendedorismo logo nos alunos do 1º
ano, aos 6 anos, portanto.
Uma primeira nota para sublinhar
que, ao que parece, os pais não são informados da realização destas acções de
formação, sendo que alguns pais não autorizam a participação dos filhos pela
discordância com as perspectivas e conteúdos que as informam.
Para ilustrar, cito do Público, “Aos
seis anos, os alunos deverão reconhecer por exemplo, “como os membros de uma
família dependem de várias empresas para satisfazer as suas necessidades e
desejos”. E descobrir num mapa onde é que os membros da família os poderão
satisfazer. Entre os 10 e os 12 anos já deverão avaliar “as etapas de valor
acrescentado para a produção de um determinado produto e discutir as vantagens
de escolher um país em vez de outro para a produção.
No 3.º ciclo os alunos são
incentivados “ a usar o pensamento crítico para aprender algumas competências
empreendedoras que suportem atitudes positivas, enquanto exploram as suas
aspirações de carreira”. E chegados ao secundário podem ter acesso ao “
programa bandeira da Junior Achievement”: “A Empresa”. No seu âmbito os alunos
criam uma mini-empresa e depois, ao longo de um ano lectivo, “reúne, capital
através da venda de títulos de participação, criam um produto ou serviço,
colocam-no no mercado e, por último, liquidam a operação e pagam os dividendos
aos titulares”.
Como síntese parece elucidativa.
Sem surpresa e como também é referido na peça o programa tem apoiantes. Não me
parece estranho nos tempos que correm.
Na verdade, tem vindo a desenhar-se,
não só em Portugal mas também em Portugal, a ideia de uma educação, de uma
escola, fundamentalmente centrada em competências instrumentais, em saberes
“úteis”, "essenciais" como lhes chama Nuno Crato, que forme
“técnicos” e não “cidadãos” qualificados. Os currículos são progressivamente
aliviados de conteúdos que não sejam “práticos”, promotores de “produtividade”,
“domínio de técnicas” como seja toda a área da formação cívica, dos valores,
das expressões e conteúdos artísticos, etc.
A escola deve formar empresários,
poucos e técnicos qualificados e de formação estreita, muitos.
Estas ideias traduzem-se nos
conteúdos curriculares, nos modelos de avaliação, nas concepções do que deve
ser o trabalho dos professores, na organização do sistema educativo, selectivo,
prescritivo e incapaz de acomodar diferenças entre os alunos, etc.
Estas ideias traduzem-se também
na forma como o Primeiro-ministro mostra repetidamente que Dias Loureiro, um
empreendedor, é um exemplo paradigmático do que deve ser o sucesso.
Como de há algum tempo afirmo,
não é bem esta a escola, a educação, que desejo para o meu neto.
Nota - Este texto foi colocado em 9 de Maio mas face à
referência no artigo de Santana Castilho no Público julguei pertinente
republicá-lo.
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