Em Lisboa e durante 2014 foram
instaurados pela Carris e Metropolitano mais de trinta mil processos por falta
de bilhete de transporte, de que resultaram mais de cinco milhões de euros em
multas. Acresce que este valor apenas reporta casos identificados e não o
volume do recurso à “borla”.
Dir-se-á que o preço dos
transportes públicos e as dificuldades das famílias explicarão estes dados. No
entanto, para além destes factores acho que estes comportamentos fazem parte do
habitual funcionamento da nossa comunidade.
De facto, nos mais variados
sectores o recurso à “borla”, ao “jeitinho”, ao “eh pá um gajo tem que se safar”,
um “favorzinho”, uma “palavrinha” que facilita o negócio ou o procedimento,
etc., etc., são uma constante.
É uma questão de escala.
Do BPN/SLN ao BPP e ao BES, dos
gestores e do mau uso de dinheiros públicos, das negociatas e tráfico de
influências e amiguismo, do enriquecimento sem justificação, do
Primeiro-ministro que não sabia que deveria fazer descontos para a Segurança
Social, do ex-Primeiro-ministro detido preventivamente por alegada corrupção,
do cartel presente em várias áreas, dos jobs for “the boys and girls” com o
cartão certo, da falsa baixa médica, enfim, de tudo o que lamentavelmente
conhecemos se conclui que é apenas umas questão de escala, entre os cêntimos e
os milhões, muitos milhões.
Trata-se, pois, de um
comportamento generalizado e com o qual, do meu ponto de vista, parecemos ter
uma relação ambivalente, uma retórica de condenação, uma pontinha de inveja dos
dividendos que se conseguem e a tentação quotidiana de receber ou providenciar
uma "atençãozinha" ou pedir ou dar um jeito, sempre “desinteressadamente",
é claro.
Por outro lado, também não
acreditamos que exista verdadeira vontade política de combater algumas das
dimensões mais pesadas, por assim dizer, deste universo. Veja-se, por exemplo,
o que tem sido na Assembleia da República a narrativa no sentido de legislar
sobre o enriquecimento ilícito.
A teia de interesses que ao longo
de décadas se construiu envolvendo o poder político, a administração pública,
central e autárquica, o poder económico, o poder cultural, a área da justiça e
segurança, parte substantiva da comunicação social e muito do nosso
funcionamento quotidiano, dificulta seriamente um combate eficaz e mudança
cultural nesta matéria.
Este combate passará,
naturalmente, por meios e legislação adequada, mas passa sobretudo pela
formação cívica que promova uma outra cidadania.
Acontece que, também por aqui não
vai ser fácil, a formação cívica desapareceu dos conteúdos curriculares
obrigatórios. Já não precisamos, entenderão na 5 de Outubro, temos formação
cívica que chegue.
Certamente que poderíamos viver
sem o “esquema”, mas não era a mesma coisa.
2 comentários:
Caro Professor, deixo aqui um Link... não sei se deva rir ou Chorar.
Passos Coelho continua preocupado com o número diminuto de licenciados em Portugal.
http://ionline.pt/artigo/395336/passos-coelho-continua-preocupado-com-o-n-mero-diminuto-de-licenciados-em-portugal?seccao=Portugal_i
Cumprimentos
Pedro.
É Pedro, o despudor não tem limite, tenho escrito muitas vezes sobre isso. Nós não temos gente qualificada a mais, temos desenvolvimento a menos. Mas só a educação/formação promove desenvolvimento.
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