No calendário das consciências assinala-se hoje o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo, uma questão de minorias e, portanto, pouco relevante para as maiorias.
Umas notas em dois sentidos
Uma primeira para chamar a atenção
para a impressiva peça que se encontra no Público, “Regino não fala, mas quer que o mundo o escute”, sobre a vida e as circunstâncias que a envolvem
de um jovem espanhol com 14 anos com um quadro de autismo. É uma peça que nos
mostra um universo que muitos de nós desconhecemos.
Uma outra nota num sentido
diferente. De há algum tempo para cá entrou no léxico comum da cena política
uma terminologia vinda da área da saúde mental com efeitos que ainda não foram
avaliados. Alguns exemplos. É muito frequente a referência a estados de
depressão, o país está deprimido, os mercados estão deprimidos, algumas regiões
portuguesas são consideradas deprimidas, etc. Diz-se tranquilamente que certos
comportamentos políticos podem ser suicidas, seja de pessoas ou de partidos.
Inventaram um quadro de claustrofobia democrática, seja lá isso o que for. Não
há opinador, amador ou profissional, que não se refira a autismo, autista ou
esquizofrénico para adjectivar discursos e comportamentos políticos. Aliás,
deve recordar-se que a Assembleia da República aprovou há já algum tempo e sem
grande resultado uma moção no sentido de se não utilizar tal terminologia nos
debates parlamentares. Multiplicam-se as referências a pessoas que assumem
compulsivamente estratégias de vitimização, a comportamentos obsessivos ou
alucinados, etc. Abundam as análises que sublinham a grave baixa auto-estima
dos portugueses.
Toda esta linguagem é usada como
o maior à vontade.
Recordo que, creio que em 2016, a
Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo do
Douro entendeu por bem apresentar queixa pela utilização em duas novelas de
referências ao autismo de forma depreciativa. No entanto, a Entidade Reguladora
da Comunicação Social entendeu que o uso da palavra “autista” não é ofensivo. É
elucidativo.
No final de 2015 a associação
BIPP (Banco de Informação de Pais para Pais) – Inclusão para a Deficiência
desencadeou uma campanha de sensibilização que visava inibir o uso de
expressões como “deficiente mental” ou “atrasado mental” como insulto ou para censurar
determinados comportamentos humanos. A campanha intitulava-se “Ser deficiente
não é um insulto” e tinha como objectivo que o recurso a esta terminologia
alimenta ou promove comportamentos de exclusão social dos cidadãos com
deficiência.
Na verdade, para além das
expressões citadas remetendo para o universo da deficiência, são também usados
com demasiada regularidade termos próprios da área da saúde mental,
esquizofrenia ou autismo, por exemplo, para adjectivar comportamentos e
discursos em particular na vida política.
Dito de outra forma, a condição
de deficiência, de doença mental ou de qualquer outra dimensão de
vulnerabilidade é utilizada como insulto sendo que este comportamento é
recorrente mesmo em pessoas com responsabilidade de natureza pública e social
de relevo o que agrava o seu já inaceitável uso.
Sem querer assumir uma posição
"politicamente correcta" este uso e abuso incomoda-me. Creio que
ignora e ofende o sofrimento das pessoas e das famílias que lidam com quadros
clínicos, de desenvolvimento ou de funcionalidade desta natureza. E retomo o
trabalho que envolve o Regino e a sua família. A decisão em tempos tomada pela
Entidade Reguladora da Comunicação Social foi lamentável.
No entanto, este é apenas mais um
exemplo das palavras que ofendem e que tão frequentemente ouvimos.
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