Não é com a frequência que gostaríamos que se encontram boas notícias no universo da educação. É certo que estamos já em campanha eleitoral para as legislativas, mas, leio no Público, foi ontem publicado em DR um diploma estabelecendo que no próximo ano lectivo serão reforçados os Serviços de Psicologia e Orientação definindo um rácio de um psicólogo para 500 alunos e a existência de um psicólogo(a) em escolas com um efectivo mais baixo. Provavelmente, assistiremos a uma qualquer forma de tortura da realidade de forma a que confesseque existe um psicólogo para cada 500 alunos.
A confirmar-se seria, de facto, uma
boa notícia e espero que também, conforme foi anunciado em Novembro de 2024, a vinculação
dos cerca de dois mil técnicos especializados, psicólogos, terapeutas da fala,
informáticos ou assistentes sociais que desempenham funções nas escolas há anos
com contratos a termo.
Vamos ver se não será mais um exercício de "wishful thinking".
Umas notas para insistir na
relevância dos Serviços de Psicologia criados em 1991 por legislação agora alterada e que nessa altura acompanhei
durante algum tempo enquanto estive nos Serviços do ME que os tutelava.
Considerando o Referencial para a
Intervenção dos Psicólogos em Contexto Escolar, o estado da arte em matéria de
psicologia da educação e de contextos de intervenção carregados de
constrangimentos, o empenhamento e a competência dos profissionais pode dar um
contributo sólido para a qualidade dos processos educativos de todos os alunos.
Para além do trabalho com alunos é crítica a colaboração e intervenção com
professores, funcionários, direcções e pais e encarregados de educação, para
além de outras respostas na comunidade dirigidas à população em idade escolar.
No entanto, como tantas vezes
tenho escrito e afirmado, desde 1991 a presença dos psicólogos em contextos
educativos tem vivido entre as declarações dos vários actores, incluindo a
tutela, sobre a sua necessidade e importância e a lentidão, insuficiência e
precariedade no sentido da sua concretização.
Rem sido recorrente a afirmação
por parte de sucessivas equipas do ME da prioridade em promover o alargamento
do número de técnicos e a estabilidade da sua presença nas comunidades
educativa, mas é algo que, como se percebe, tarda em concretizar-se e insisto
em notas já por aqui escritas e marcadas pelo óbvio envolvimento pessoal, quer
na formação, quer na intervenção ao longo de algumas décadas.
No entanto, para além da
precariedade, o número de psicólogos a desempenhar funções no sistema educativo
público tem estado longe do rácio aconselhado para um trabalho mais eficiente.
Temos situações em que existe um
psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo com
mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie
de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que
não serve adequadamente os destinatários, a comunidade educativa, como também,
evidentemente, compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas
onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a
prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a
duração de meia hora semanal uma situação inaceitável e que é um atentado científico
e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico
independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No
entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um profissional de psicologia. O
Referencial orientador da intervenção dos psicólogos nos contextos escolares é
um documento positivo, mas corre o risco ser inaplicável em muitas situações
face ao alargado espectro de funções e actividades previstas associado ao
universo de destinatários.
Neste cenário, a intervenção dos
profissionais, apesar do esforço e competência, tem um potencial de impacto
aquém do desejável e necessário. Áreas de intervenção como dificuldades ou
problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas
múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com
professores e pais, trabalho ao nível da prevenção de problemas, etc., exigem
recursos e tempo que não estão habitualmente disponíveis.
Acresce que o recurso ao modelo
de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é
ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais
envolvidos.
Como é que se pode esperar que
alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos
e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho
consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da
escola?
Das duas uma, ou se entende que
os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da
psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades
de alunos, professores e pais em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas
providenciando contributos específicos para os processos educativos e,
portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente
necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os
psicólogos não servem para coisa alguma, só atrapalham e, portanto, não são
necessários.
A situação existente parece-me,
no mínimo, um enorme equívoco que além de correr sérios riscos de eficácia e
ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos
possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar
uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
Cheguei ao fim de uma carreira de
46 anos ligada à psicologia da educação e ainda aguardo que a importância e
prioridade sempre atribuídas ao trabalho dos psicólogos em contextos educativos
se concretizem de forma suficiente e estável.
Será desta?
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