No JN de hoje há uma referência que me parece de extrema importância e que deveria motivar uma alargada discussão entre nós. A Fédération des Conseils de Parents d'Élèves (FCPE) e os professores representados pela organização Institut Coopératif de l'Ecole Moderne (ICEM), apelam a um boicote aos trabalhos de casa prescritos por muitos professores apesar de terem sido eliminados no ensino primário em 1956. Os pais consideram os TPCs "inúteis" e "cansativos", "empurrando a responsabilidade de ensinar para cima dos pais". Os professores entendem que os trabalhos de casa aumentam as desigualdades entre as crianças uma vez que "Nem todas as famílias têm tempo ou conhecimentos suficientes para ajudar os seus filhos".
Já tenho abordado no Atenta Inquietude a questão dos trabalhos de casa mas, creio, vale a pena retomá-la.
No nosso sistema educativo pode acontecer que crianças, do 1º 2º e 3º ciclos passem mais de 10 horas diárias na escola, cerca de 50 h semanais. É extraordinário, quando a semana de trabalho para os adultos anda entre as 35 e as 40 horas (legais). Acresce que em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda Trabalhos Para Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos escolares.
Não tenho nenhuma posição fundamentalista mas creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa. Os TPCs clássicos têm ainda o problema acrescido de colocar os pais, muitas vezes, em situações embaraçosas de quererem ajudar os filhos e não possuírem habilitações para tal. A propósito, numa reunião de pais em que eu estava e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa, chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais nesta posição é absolutamente inaceitável.
Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola, como, aliás refere a organização francesa dos pais e a dos professores que apelam ao boicote aos TPCs.
Se mesmo assim houver a tentação do trabalho de casa, deveria estar assegurado que a criança tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Só se estivemos à espera da ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores".
No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida.
14 comentários:
Perfeitamente de acordo. O problema é que, sem os TPCs, como seria possível cumprir o programa e terminar os quase infindáveis manuais?
Por isso a urgência da revisão dos conteúdos e não só da organização curricular e combater a excessiva e cara "manualização" do ensino que muitas vezes tenho referido
isso só prova que a população é iletrada. e até +posso concordar com a questão da sobrecarga a que as crianças estão sujeitas. No 1º ciclo, mas só não ajuda quem nºao sabe. e convenhamos, estamos a um nível básico do básico. quase convencida em não passar trabalhos de casa mas a ajuda dos pais é bem-vinda. Esse drama da mãe a chorar, não sei de que nível de escolaridade falamos, mas não me comoveu. Se bem que.. é de experimentar não mandar trabalhos durante um mês.
Ass: professora primária.
Eliminei o meu comentário por conter um erro. Aqui fica. Cara, Professora do 1º ciclo, não contei a história real da senhora a chorar para a comover ou convencer. Não pretendo nenhuma das coisas. A história, passada no 5º ano, servia apenas para ilustrar a situação em que muitos pais ficam colocados perante os TPCs. Devo também recordar-lhe, presumo que sabe, que vários países com bons resultados escolares nos seus alunos não têm como rotina os TPCs. É simples.
Vários países com bons resultados não só não têm trabalhos de casa como até têm condições incomparáveis às nossas.
Acabar com os trabalhos de casa seria exatamente o quê? o acabar com a angústia dos pais? Não serão todos os pais angustiados. Alguns exigem, não sabem orientar os filhos, mas esforçam-se por ensiná-los e como tal necessitam dos trabalhos de casa. os trabalhos de casa serão contraproducentes? sim, concordo que em algumas situações o serão, mas o benefício que trazem para quem os possa fazer, com ajuda ou sem ela, é maior e para mim mais convincente. Por falar em convincente, não sou de ideias fixas e gosto de discutir ideias. Concordo com tudo o que disse, contudo todas as teorias sobre os trabalhos de casa são aceitáveis. Agora movimentos anti TPC...
ass. professora prima´ria
Olá! (mais uma vez, hoje :))
A minha luta com os trabalhos de casa já vem de muito longe.
Primeiro, concordo plenamente quando foca a sobrecarga horária das crianças, não foram poucas as vezes em que o meu filho, com lágrimas nos olhos, me dizia que precisava de brincar. Claro que a minha luta teve muitas barreiras. Até poderia concordar com um trabalho de casa, se este motivante e trouxesse uma certa consolidação de conhecimentos, e claro sem ser às carradas. Tudo que é a mais do que 20 minutos começa a ser contraproducente. Qual a lógica de uma criança do 2º ano ter que escrever os números, por extenso, de zero a quatrocentos e de quatrocentos a zero, seguidos de umas tantas fichas de trabalho. Houve alturas de serem 22:30 e ainda andávamos às voltas com os TPCs. Isto não é consolidação! É fazer criar aversão à escola.
Se não deixamos tempo para as crianças brincarem e fazerem o que fazem de melhor, brincar! Quando o farão?
Uma criança que sai às 17:30 da escola, chega às 18:00, isto na melhor das hipóteses, lancha e descansa meia hora, faz os trabalhos até perto da hora de jantar (isto se não tiver dúvidas e não for necessária uma explicação) depois do jantar deveria ir para a cama para dormir decentemente, digam-me onde está o tempo para a brincadeira?
Compreendo a preocupação dos professores terem que cumprir o programa que o ME impõe. Até porque, essa preocupação é acrescida desde que saiu o novo modelo de avaliação dos professores. Até porque, se verificou que rara foi a turma com alguma retenção. Até aqui, houve pouca competitividade entre colegas. O facilitismo foi fantástico. Os projetos de escola (PAA) e de agrupamento em 1º lugar, depois os alunos. De seguida o MUITO BOM e EXCELENTE para os "amigos".
Agora...mudou história. Programas diferentes. Turmas com mais alunos. Provas nacionais e...a avaliação dos professores é no próximo ano. Há tempo...para olharem para os alunos, ainda.
As crianças estão, parte delas, desde as 8 horas da manhã até às 19.30 horas na escola pública! Durante 5 horas é suposto fazerem as suas aprendizagens com o(a) seu(a) professor em sala de aula! É para isso que lá estão. É essa a profissão que escolheram. Mas desde quando, é que as matérias do programa passam por aprendizagens nos TPC´s...? E que responsabilidade de ensinar aos filhos se dão aos pais que nem escreverem sabem...? E os pais que trabalham até ao final do dia (não saem às 15.15 horas...)não dão um beijo ao filho, banho, jantar, deitar...Não...Então ainda vão ensinar o resto do programa para ajudar a professora, através de TPC´s! Com a agravante...estes pais não tem empregada doméstica, também...estamos a falar do nivel social médio/baixo. Os outros estão em colégios privados.
Depois de 5 horas em sala de aula, vão para as AEC´s. Depois para ATL. Ou seja quantas horas laborais fazem estas crianças e quantas fazem os professores? Como é que alguém dentro de alguma normalidade, se é que existe o dito "normal" faz aprendizagens com TPCs sem professor? Pois...para os possam fazer, alguém tem que estar com o aluno a trabalhar com ele individualmente. Proponho que seja o professor. E...é evidente...que se os alunos não acompanham o programa que os professores não tem tempo para dar, pela sua extensão...e os pais não souberem ensinar os TPC´s...São Referenciados para Educação Especial...é típico das nossas escolas!! E com um PEI...os alunos deixam de dar preocupações, acham que não precisam de ser ensinados na sala. Nem com TPC. Infelizmente, os professores também pertencem ao grupo dos iliterados, pois ainda desconhecem o que é Educação Especial. A moda do "Concentra" + o rótulo de NEE + os TPC... substitui o professor sem dúvida...ficam com os pais a aprender o programa. Não compreendo o que estão a fazer nas salas de apoio ao estudo. Pois é ali que devem fazer os TPC´s.
Em casa, as crianças precisam de descansar, brincar, momentos de lazer e pedir aos pais "dá-me colo", "brinca um pouco comigo" e agora... "conta-me uma História, poque preciso dormir"...- amanhã, às 7horas estou levantado para ir para o ATL da escola para vocês irem trabalhar"!
Escolhi uma escola para o meu filho, que não utiliza-se a moda antiquada dos TPC´s (como eu tive). Garanto que foi gratificador, em primeiro lugar para as suas aprendizagens acadêmicas!
Muito Obrigado! Sou Professora e Gosto do que Faço.
Olá de novo cara Professora do 1º ciclo, Como reparou, escrevi que não tenho uma posição fechada face aos TPCs, aliás, afirmei que caso fossem "prescritos" que se tivesse a precaução de que a sua realização fosse possível pela criança sem depender das competências didáctico-científicas dos pais. Vá passando e conversando, é bom para todos
A revisão curricular é essencial, tal como a desmanualização, como bem refere. Além disso, a história de que á iliteracia do povo que leva a que os pais não possam acompanhar os estudos dos filhos, podendo ter algum fundo de verdade - e tem-no de certeza - , não corresponde totalmente à realidade. Sei-o por expeiência própria: sendo licenciada em Língua e literatura, tem-me sido difícil acompanhar um dos meus filhos que frequenta o 7º ano e tem alguma dificuldade em português. Isto porque cada vez a terminologia muda (não percebo por que razão)e, a mer ver, cada vez se complica mais a aprendizagem. Neste caso específico, parece-me que o importante seria pôr os miúdos a ler, interpretar e escrever bem. As questões linguísticas e gramaticais deveriam ficar para quem estudo a língua.
MLurdes
Estou 100% de acordo com a Anónima que diz que o que lhe parece "importante seria pôr os miúdos a ler, interpretar e escrever bem. As questões linguísticas e gramaticais deveriam ficar para quem estudo a língua." Foi exactamente o que expressei, neste meu post em 2009:
http://incitador.blogspot.pt/2009/12/lingoa-purteguesa.html
29quanto a mim, os trabalhos de casa não são mais do que uma descarga de consciência de certos professores face à falta de tempo para exercitar após a explicação da matéria. Há professores que acham que a "sua" disciplina é a unica, e sobrecarregam demais com coisas pouco importantes obrigando outros trabalhos de casa a serem "comprimindos" no curto espaço de tempo entre o lanche e o jantar de uma criança. Sou professora há 13 anos e os trabalhos SEMPRE foram feitos EM AULA!!!
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