sábado, 21 de novembro de 2015

PSICÓLOGOS, PSICOLOGIA E ESCOLA

O MEC anunciou que com financiamento comunitário do Programa Operacional Capital Humano irá contratar psicólogos para os agrupamentos e escolas. O objectivo é atingir em 2020 um ratio de um psicólogo para cada 1100 alunos. Algumas notas sobre, psicólogos, psicologia e contextos escolares.
Segundo a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) existem actualmente cerca de 775 psicólogos o que para cerca de um milhão e duzentos mil alunos corresponde a um ratio de um técnico por 1645 alunos, sendo que no ensino privado, sem surpresa, é de um psicólogo para 785 alunos..
Conheço situações em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo de mais de 3000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Como em vários outros campos, é um fingimento de resposta. Nada de estranho e com muitos outros exemplos.
Temos também inúmeros agrupamentos e escolas sem psicólogos ou com “meio psicólogo” e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semana uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, evidentemente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
Sublinhe-se que, segundo o MEC, em 2014/2015 71% das escolas ou agrupamentos tem um ou mais técnicos de psicologia a tempo inteiro.
Acresce que uma parte significativa dos psicólogos existentes é contratada anualmente, sempre com atraso, tal como neste ano lectivo, o que implica óbvias consequências em termos de instabilidade, suficiência e qualidade. Da notícia hoje conhecida não se depreende se a contratação anunciada é com carácter definitivo ou com horizonte temporal definido.
Nos últimos tempos e como já referi, o MEC tem permitido que as escolas contratem a prestação de serviços educativos a realizar aos seus alunos, a empresas, naturalmente, exteriores à escola que, aliás, têm florescido. Estes serviços envolvem o trabalho de psicólogos bem como de outros técnicos, por exemplo terapeutas, e desempenham funções em diferentes áreas de trabalho da escola.
É interessante que nos textos de regulamentação destas contratações se estabelecem objectivos como Esta contratação de serviços de psicologia, ao abrigo de Programas Operacionais visa, cito, “mudanças comportamentais dos alunos”, “melhoria de atitudes face às tarefas escolares”, pretendendo-se o “sucesso educativo”. É delirante.
Não quero, nem devo, discutir aqui a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da intervenção dos técnicos, designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho referido, a última vez, no Seminário de há dois dias organizado pelo MEC e pela OPP sobre a Psicologia e Orientação em Contexto Escolar, entenda que se verifica em muitas situações uma sobrevalorização da intervenção dos psicólogos na área da orientação vocacional desequilibrando a intervenção necessária em áreas como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, só a título de exemplo.
É minha convicção o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos. Trata-se, também aqui, de mais uma entrega de serviço público aos mercados.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais, em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, existirá quem assim pense no próprio MEC (veja-se o atraso na colocação dos poucos que o sistema tem), os psicólogos não servem para coisa nenhuma, só atrapalham e, portanto, não são necessários. Este entendimento contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países aconselha mas como é hábito os exemplos de fora só são citados conforme os interesses.
A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os conteúdos, regulação e modelos de intervenção deste trabalho merecia um outro espaço e oportunidade.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro, Colega

Concordo em grande parte com o que afirma. Mas, o que acaba por acontecer em termos práticos, é que os colegas externos à escola acabam por ser uma mais valia, tanto para os alunos, como para os psicólogos, que como eu, têm cerca de 1700 alunos espalhados por uma área geográfica enorme e com realidades muito diferentes entre as várias escolas. Muitas vezes a alternativa é recorrer aos Serviços de Saúde públicos (com tempos de espera lamentáveis) ou a consultas de psicologia privadas (o que para alguns pais é incomportável).
E também há colegas nossos, nas escolas públicas, com cerca de 400 a 600 alunos, só com o Ensino Secundário, cujas escolas não agruparam. Nem tudo é mau...

Zé Morgado disse...

Eu não disse que tudo era mau caro Colega Anónimo. Apenas disse que o modelo de "outsourcing" em Psicologia da Educação era errado. Não está em causa a competência e empenho dos profissionais mas do modelo que lhes impõem. Quanto aos ratios, existem de facto assimetrias mas, sobretudo, existe uma enorme falta de recursos alimentada por quem tem governado que esquece que em educação não há despesa há INVESTIMENTO.