Estranhamente, porque não era hábito, levantou-se com a
melhor das disposições para enfrentar mais um dia.
A mulher, já a pé a despachar os filhos para a escola,
sorriu para ele. Estranhou, não era hábito. A torrada não queimou, como era
hábito, e saiu de casa estranhamente bem-disposto, mas com a vaga sensação de
que se tinha esquecido de algo.
O Luís, o do café, para sua surpresa, não gozou com
o seu Sporting enquanto tomava a bica, como era hábito. Mantinha a sensação de que se tinha esquecido de alguma
coisa.
A manhã de trabalho no banco foi perfeita, só clientes simpáticos e com
problemas simples. Estranhou, não era hábito, a si sempre lhe tocavam os chatos
que só percebem o que se lhes explica à décima vez. Continuou com a sensação de
que se tinha esquecido de algo.
O almoço foi excelente no sítio do costume. Até, contra o
que era hábito, o seu prato preferido ainda não tinha esgotado. Ainda deu para
dar uma volta no centro comercial e cruzar-se com duas mulheres, lindíssimas,
que lhe retribuíram o sorriso. Mas a sensação de que se tinha esquecido de algo
continuava.
O resto do dia de trabalho correu lindamente. O Chefe, o Dr.
Lopes, em vez de o chatear ao fim do dia com algum processo para despachar com
urgência, como era hábito, teve quase uma hora de conversa sobre banalidades e
namoradas.
Quando voltou para casa, sempre com a sensação de que se
tinha esquecido de alguma coisa, os miúdos estavam entretidos a brincar,
quietinhos, sem a algazarra do costume e sem o obrigarem a deitar-se no chão
para os levar às cavalitas, como era hábito. A mulher, que o recebeu com um
beijo daqueles de que já não se lembrava, tinha preparado um petisco de se lhe
tirar o chapéu, não era hábito. A sensação de que se tinha esquecido de algo
continuava.
Já tarde, contra o que era hábito, recordou com a mulher as
primeiras noites de paixão. Quando, depois do dia perfeito e longo, se
preparava para dormir, lembrou-se, finalmente, do que se tinha esquecido logo
de manhã.
Tinha-se esquecido de acordar. Não era hábito.
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