Por estes dias, para as pessoas da minha geração é
impossível não falar do 25 de Abril, daquele 25 de Abril, do nosso 25
de Abril, do meu 25 de Abril. Este ano, vai sendo hábito, o dia parece marcado
por uma polémica, do meu ponto de vista inconsequente, sobre a presença de
instituições ou figuras na sessão comemorativa oficial na Assembleia da
República. A História tem actores, principais e secundários, heróis
ou vilões, e figurantes, mais ou menos anónimos, mas não tem donos. Tenho
pena, mas não estranho. Também como nunca nos nossos dias, atravessamos tantas
dificuldades, com tantos milhares de pessoas a sofrer a luta pela
sobrevivência. Também por isso, voltemos à substância, o nosso 25 de Abril.
Há algum tempo, numa conversa informal com alunos, jovens,
do ensino superior, alguns questionavam-me sobre como era a vida académica, e
não só, antes desse 25 de Abril. Ao procurar dar-lhes um retrato desse tempo e
do que era a nossa vivência diária, deu para perceber alguma perplexidade nos
jovens não tanto pelas referências às grandes questões, mas, sobretudo, pelas
pequenas histórias do dia-a-dia.
Histórias do clima de desconfiança e suspeição sobre a
pessoa do lado que nos prendia dentro da gente; do livro que se não tinha; do
filme que se não podia ver; do disco que se contrabandeava; do teatro que não
se podia fazer; da conversa que se não podia ter; do professor de quem não se
podia discordar; da ideia que se não podia discutir; da repressão visível e, mais
pesada, invisível; do beijo que não se podia dar em público; do livro único
para formar um pensamento único; de tantas outras histórias com que se tecia um
mundo pequeno que nos queria pequenos.
Aquela conversa foi muito estimulante. É certo que me deixou
a doce amargura da idade mas, mais interessante, fiquei convencido que aquele
pessoal não permitirá nunca que se possa voltar a ter histórias daquelas para
contar a gente mais nova.
Acho até que esta gente, apesar das enormes dificuldades que
enfrentam para construir um projecto de vida viável e sustentado, não vai mesmo
estudar para ser escrava, esta gente vai, apesar de por vezes se sentir à
rasca, chegar ao futuro.
Gosto de acreditar nisto. Também por causa daquele 25 de
Abril.
E porque é mais fácil e mais bonito, "Traz outro
amigo também".
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