quinta-feira, 17 de abril de 2014

OS AUDIS DO MEU DESCONTENTAMENTO

"O sorteio das facturas não convence nem sindicatos nem técnicos de contas"

Tenho andado indeciso sobre a elaboração de umas notas sobre o sorteio dos Audis, a Factura da Sorte. Mas hoje, ocasião do primeiro sorteio, resolvi, aqui ficam.
Desde o seu anúncio que me sinto embaraçado com a medida. Não simpatizo de todo com a ideia de sortear carros de topo de gama nos tempos que correm como forma de premiar o bom comportamento fiscal.
Bem sei que a justificação é o combate à evasão fiscal, muito elevada, e à economia paralela que representa mais de 25% do PIB e que este cenário carece de ser revertido. 
No entanto, a evasão fiscal nas pequenas facturas do dia a dia não passa de peanuts comparado com os milhões que circulam pelos paraísos financeiros que continuam de boa saúde e protegidos pela hipocrisia dos políticos. A evasão fiscal circula pelos escritórios de advogados que exploram até ao limite as manhas contabilísticas que as leis amigas posibilitam, permitindo que muitos milhões escorreguem "legalmente" para outras sedes. A evasão fiscal circula pelos negócios das famílias, poucas, que desde sempre mandam na economia portuguesa com o seus protectores estrangeiros.
A evasão fiscal e a economia paralela alimentam-se de um fortíssimo nível de corrupção que raramente tem condenados, veja-se a informação divulgada há dois dias, apenas 6% dos processos de corrupção resultam em condenação, 
A evasão fiscal e a economia paralela circulam também no tráfico de influências e na protecção a negócios que quando correm bem proporcionam lucros fabulosos não taxados, Dias Loureiro, Isaltino Morais, João Rendeiro, Oliveira e Costa, Duarte Lima, etc., etc., que o digam e quando correm mal pagamos todos.
O combate à fraude e à evasão fiscal e à economia paralela passam por um sistema de justiça eficaz, célere e justo, que não seja forte com os fracos e fraco com os fortes. Passa por leis claras e sem alçapões que a contabilidade criativa e bem paga explore. Passa pela exlusividade ou separação de funções minimizando o tráfico de influências e pessoas entre estruturas públicas e privadas. Passa pela transparência dos negócios e das colocações. Passa pela ... vontade séria de as combater e não da produção de uma retórica hipócrita.
O sorteio da Factura da Sorte não é inédito mas, também aqui, os exemplos em que se verifica não são muito animadores, dispenso tal companhia.
Acredito que o Audi possa ser um incentivo ao "cumprimento" fiscal para muita gente. Muitos de nós portugueses, adoramos este "jogo", o jogo da "sorte", no qual depositamos muitos dos nossos sonhos, sintetizados na conhecida fórmula milhões de vezes dita e ouvida, "nunca mais me sai o Euromilhões para deixar de trabalhar". No entanto, esta adesão ainda me deixa mais embaraçado, aceitamos o "jeitinho" no nosso quotidiano e pedimos a factura da "bica" para alimentar a esperança no Audi.
Esta medida, finalmente, recorda-me, a medida do Grupo Pingo Doce num famoso 1º de Maio que, em nome da generosidade e precupação com as famílias ,proporcionou imagens degradantes e deprimentes, bem como, é certo, mais uns milhões de euros nos negócios a troco de uma multa irrisória.
Ainda assim, como o povo costuma dizer ... que o Audi saia a alguém que precise. Boa sorte.

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