"Baixos níveis de glucose podem ser uma causa de violência doméstica"
Um estudo hoje referido na imprensa realizado nos Estados
Unidos sugere uma forte relação entre os níveis de glucose no organismo e os episódios
de violência doméstica.
Não discuto os resultados e o próprio estudo, mas como é
evidente, em princípio, dada a nossa condição, será sempre possível estabelecer
um qualquer enquadramento ou base biológica para os nossos comportamentos.
Convém, no entanto, não menosprezar ou desvalorizar o nosso
livre arbítrio, a capacidade de avaliação intelectual, o juízo moral, social e
ético, justamente dimensões que nos permitem lidar e gerir os nossos
comportamentos, por exemplo, a agressividade. Assim, a eventual existência de
uma base biológica para episódios de violência dirigida ao parceiro ou parceira
não pode, não deve, constituir uma qualquer forma de sofisticada desculpabilização
ou, porque não, inimputabilidade. Aliás, os estudos de ocorrência e a sua
associação a modelos sociais e culturais reforçam esta reserva.
Recordo que segundo o Relatório Anual de Segurança Interna
relativo a 2013, os níveis de criminalidade baixaram em 2013 com excepção da
violência doméstica com mais três vítimas mortais.
A violência doméstica parece continuar indomesticável.
Recordo que no início de Março foi divulgado um estudo realizado sob a
responsabilidade da Agência para os Direitos Fundamentais da UE, mostrou que
24% das mulheres portuguesas inquiridas reportou ter sido vítima
de violência física ou sexual por parte do parceiro, indicador que está
abaixo da média europeia, 33%. No entanto, parece-me de sublinhar pelo seu
impacto, que 93% das mulheres portuguesas tem a percepção de que a violência é
um fenómeno “comum” ou “muito comum”.
Como já tenho referido, por diferentes ordens de razões e
embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento
significativo de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma
espécie de fatalidade na qual parece assentar uma “discreta” tolerância do
crime de violência doméstica dirigida às mulheres, que é diferente
das reacções quando a vítima é o homem.
Esta aparente tolerância relativizar-se-á à dificuldade de
prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de
muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece
ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do
ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla
violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a
crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”. Por outro
lado, os estudos mostram algo que se torna mais inquietante, o elevado índice
de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando
mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador
entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente
configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de
impunidade instalado e ainda, como referi, alguma “resignação” ou “tolerância”
das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou a uma falsa
ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de
dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições
de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um
sistema de justiça eficaz e célere.
Nada disto tem muito a ver com os níveis de glucose no
organismo das pessoas.
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