terça-feira, 15 de abril de 2014

O AÇÚCAR E A INDOMESTICÁVEL VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

"Baixos níveis de glucose podem ser uma causa de violência doméstica"


Um estudo hoje referido na imprensa realizado nos Estados Unidos sugere uma forte relação entre os níveis de glucose no organismo e os episódios de violência doméstica.
Não discuto os resultados e o próprio estudo, mas como é evidente, em princípio, dada a nossa condição, será sempre possível estabelecer um qualquer enquadramento ou base biológica para os nossos comportamentos.
Convém, no entanto, não menosprezar ou desvalorizar o nosso livre arbítrio, a capacidade de avaliação intelectual, o juízo moral, social e ético, justamente dimensões que nos permitem lidar e gerir os nossos comportamentos, por exemplo, a agressividade. Assim, a eventual existência de uma base biológica para episódios de violência dirigida ao parceiro ou parceira não pode, não deve, constituir uma qualquer forma de sofisticada desculpabilização ou, porque não, inimputabilidade. Aliás, os estudos de ocorrência e a sua associação a modelos sociais e culturais reforçam esta reserva.
Recordo que segundo o Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2013, os níveis de criminalidade baixaram em 2013 com excepção da violência doméstica com mais três vítimas mortais.
A violência doméstica parece continuar indomesticável. Recordo que no início de Março foi divulgado um estudo realizado sob a responsabilidade da Agência para os Direitos Fundamentais da UE, mostrou que 24% das mulheres portuguesas inquiridas reportou ter sido vítima de violência física ou sexual por parte do parceiro, indicador que está abaixo da média europeia, 33%. No entanto, parece-me de sublinhar pelo seu impacto, que 93% das mulheres portuguesas tem a percepção de que a violência é um fenómeno “comum” ou “muito comum”.
Como já tenho referido, por diferentes ordens de razões e embora a realidade se vá modificando lentamente, veja-se o aumento significativo de denúncias por parte dos homens, parece assumir-se ainda uma espécie de fatalidade na qual parece assentar uma “discreta” tolerância do crime de violência doméstica dirigida às mulheres, que é diferente das reacções quando a vítima é o homem.
Esta aparente tolerância relativizar-se-á à dificuldade de prova, ao sistema de valores e situação de dependência emocional e económica de muitas das vítimas, à atitude conservadora de alguns juízes, etc. Permanece ainda com alguma frequência a dificuldade de promover a retirada do agressor do ambiente doméstico, procedendo-se à saída da vítima numa espécie de dupla violência que, aliás, também se verifica em situações de maus tratos a crianças, em que o agressor fica em casa e a criança é “expulsa”. Por outro lado, os estudos mostram algo que se torna mais inquietante, o elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.
Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado e ainda, como referi, alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à percepção de eventual vazio de alternativas ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos em caso de separação do agressor.
Nesta perspectiva, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.
Nada disto tem muito a ver com os níveis de glucose no organismo das pessoas.

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