terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS (Take 2)

Aparentemente em contraciclo com os dados globais divulgados pelo MEC em 29 de Janeiro último, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, em relatório agora conhecido, refere que em 2013 desenvolveu 192 inquéritos a episódios de violência nas comunidades escolares, um acréscimo  de 21.6% relativamente a 2012. De facto, o relatório do MEC sobre Segurança nas Escolas sugeria uma tendência de redução do número de episódios reportados. Alguns dados, em 2008/2009 registaram-se  3525 ocorrências, em 2011/2012 esse número desceu para 2218 e para 1446 em 2012/2013. Os casos mais frequentes são os actos contra a liberdade e a integridade física das pessoas, 1577 em 2008/2009 para 1074 em 2011/2012 e 726 em 2012/2013. 94% das escolas não participou qualquer ocorrência em 2011/2012, percentagem que subiu para 95,5% em 2012/2013.
Importa, no entanto, considerar que existem inúmeros casos não reportados pelas escolas, pelo que este tipo de fenómeno requer permanente atenção até porque a concentração de alunos e o aumento do número de alunos por turma potencia a emergência de situações desta natureza. Aliás, tenho a convicção de que as pessoas que não conhecem os meios escolares não têm a percepção da diminuição dos episódios de violência, antes pelo contrário. De novo, algumas notas sobre esta matéria, suficientemente complexa para que sejam tantas as dúvidas quantas as certezas, muitas.
Em primeiro lugar uma referência à função professor. A imagem social dos professores tem estado sob pressão continuada com o risco de sofrer uma erosão significativa. As razões são variadas e dificilmente compatíveis com este espaço mas creio que uma boa parte da política educativa dirigida aos professores nos últimos anos, alguns dos discursos dos lideres sindicais e as afirmações ignorantes e irresponsáveis de alguns "opinion makers" têm dado um bom contributo. Este processo mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e fraqueza que minam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem social induzida.
Por outro lado, a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos é ainda marcada por um excesso de individualismo. Quero dizer com isto que, lamentavelmente, os professores evidenciam níveis de cooperação e partilha profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de dispositivos de apoio, recorrendo a outros docentes mais experientes ou à presença de dois professores, por exemplo, que dariam aos professores apoio e confiança para o trabalho com os seus alunos.
Importa pois, muitas vezes o refiro caminhar no sentido do reforço da imagem social dos professores como fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente, incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de apoio aos professores de forma a que cada um não se sinta entregue a si próprio e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, a pior das situações em que um docente se pode sentir. Este caminho é da responsabilidade de todos, ministério, sindicatos, direcções de escolas e agrupamentos, pais, professores e alunos.
A segunda nota remete para a instituição escola. Em primeiro lugar, a escola é, será sempre, um reflexo do contexto económico, social e cultural, bem como do sistema de valores em que se integra. Neste quadro, em tempos de violência, a escola espelha essa violência, em tempos de sentimento de insegurança, a escola espelha essa insegurança, em tempos de sentimento de impunidade, a escola espelha esse sentimento de impunidade. Por tudo isto não é possível, como alguns discursos o fazem, responsabilizar exclusivamente a escola, por estas situações. A escola fará certamente parte da solução mas não é, não pode ser, A solução, esta passará por intervenções concertadas no âmbito das comunidades.
Um segundo aspecto prende-se com o trabalho com as famílias. Muitos casos de violência escolar estão associados, não estou a falar de uma relação de causa-efeito, à acção negligente ou menos competente por parte das famílias. Continuo fortemente convicto de que nas escolas devem ser criados dispositivos, com recursos, humanos e de tempo por exemplo, para trabalho sistemático e estruturado com as famílias. Com as metodologias mais frequentes, reuniões de pais e convocatória para famílias problemáticas irem à escola, que se revelam ineficazes, a maioria dos pais nem sequer aparece, creio que será muito difícil alterar ou, pelo menos, minimizar os efeitos das variáveis familiares nos comportamentos dos miúdos.
Uma outra questão ainda dentro da instituição escola, prende-se com o facto conhecido de que os problemas mais significativos sentidos nas escolas, indisciplina, violência, delinquência, bullying, etc. ocorrem, obviamente, nas salas de aula e, sobretudo nos espaços de recreio. Deixando de lado, de momento, a sala de aula parece-me fundamental que se dê atenção educativa aos tempos e espaços de recreio escolar.
Em muitas escolas a insuficiência de pessoal auxiliar não permite a ajustada supervisão desses espaços. Por outro lado, a sua formação em matérias como supervisão educativa e mediação de conflitos, por exemplo, e, ou, o entendimento que têm das suas competências, muitas não valorizadas pela própria comunidade, leva a alguma negligência ou receio de intervenção.
Talvez não seja muito popular mas digo de há muito que os recreios escolares são dos mais importantes espaços educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam pelos recreios. Neste sentido, defendo que a supervisão dos intervalos deveria ser da responsabilidade de docentes. A reestrutura da enorme carga burocrática do trabalhos dos professores, dos modelos de organização e funcionamento das escolas, por exemplo, poderiam libertar horas de docentes para esta supervisão que me parece desejável.

2 comentários:

Ana Janela disse...

Professor, o que me parece que está a "minar" a escola é que ela mesma deixou de ser um local de afectos. Os professores muitas vezes escondem-se atrás de toda essa "má imagem social" de que fala, para justificarem o seu isolamento e a falta de ligação com os seus alunos. Os miudos só convivem com os professores numa óptica hierárquica de sala de aula em que o prof ensina e representa a autoridade e os alunos aprendem(ou não).A dimensão humana do professor não existe porque o professor não a partilha. Ninguem respeita quem não conhece.

Zé Morgado disse...

Percebo o que diz, mas as condições e as políticas também contaminam o clima social das escolas com reflexos nas relações entre pessoas.