Recordo um Relatório de há meses
produzido pela OCDE segundo o qual um processo demora 425 dias, em média, a ser
resolvido nos tribunais portugueses de primeira instância, o segundo mais
moroso antes da Itália.
Neste âmbito, morosidade da
justiça, tem acontecido com alguma frequência a aplicação por parte do Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem de multas a Portugal por atraso excessivo na
decisão de um processo judicial.
A própria Ministra da Justiça já afirmou
que em Portugal "ainda existe uma justiça para ricos e uma justiça para
pobres". Esta afirmação apenas surpreende por vir da ... responsável pela
justiça em Portugal o que não quer, evidentemente, significar da responsável
pelo estado a que a justiça em Portugal chegou.
Muitas vezes tenho referido no
Atenta Inquietude que uma das dimensões fundamentais para uma cidadania de
qualidade é a confiança no sistema de justiça. É imprescindível que cada um de
nós sinta confiança na administração equitativa, justa e célere da justiça.
Assim sendo, a forma como é percebida a justiça em Portugal, forte com os
fracos, fraca com os fortes, lenta, mergulhada em conflitualidade com origem
nos interesses corporativos e nos equilíbrios da partidocracia vigente
constitui uma das maiores fragilidades da nossa vida colectiva.
Entre 2008 e 2012, prescreveram
nos tribunais portugueses os tribunais portugueses 7005 crimes, dos quais 428
contra pessoas, como homicídios, agressões físicas agravadas e violações.
Não se estranha, são recorrentes
a demora, a manha nos processos judiciais com a utilização de legislação
complexa, ineficaz e cirurgicamente construída para ser manhosamente usada por
quem a a elaborou que, com base em expedientes dilatórios, promove a injustiça,
ou seja, é uma justiça manifestamente marcada pelas desigualdades de tratamento
como a Ministra referiu. Quase todos os dias temos exemplos sobre este
universo que, lamentavelmente, já não nos surpreendem, não nos sobressaltam.
Quando muito, dedicamos-lhe um encolher de ombros a suportar um pensamento
telegráfico, "mais um". Veja-se o que tem sido o trajecto de alguns
processos mais mediatizados.
Parece-me ainda de relembrar um
relatório de 2011, creio que também da Comissão Europeia para a Eficácia da
Justiça no âmbito do Conselho da Europa, que, para além de referir a
morosidade, revelava que, curiosamente, somos um dos países com um rácio maior
de profissionais de justiça por 100 000 habitantes, 294.9, (envolve juízes,
advogados, procuradores e notários). É notável, este facto transmite a ideia
que esta gente toda se atropela, engarrafando processos e procedimentos.
Aliás, ainda segundo o Relatório
da OCDE Portugal é o país que em termos percentuais mais gasta em salários,
81.2%, no âmbito da justiça.
É verdade que foram recentemente
introduzidas alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal que, não
sendo um especialista, não consigo avaliar do seu eventual impacto no cenário
actual. No entanto, continuo a entender que não existe uma determinação sólida
e consensual de alteração da teia de ineficiência que é a nossa justiça apesar
da retórica das afirmações. Sofrem os cidadãos individualmente e sofre a
qualidade da vida cívica de um país que percebe o seu sistema de justiça como
forte com os fracos, fraco com os fortes, moroso, ineficaz e, definitivamente
injusto. É mau, muito mau.
Apesar de sucessivos discursos
sobre o que se tem passado ao longo de décadas no sistema de justiça português,
a situação existente fez bater no fundo os níveis de confiança e
credibilidade.
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