A imprensa dos últimos dias
trouxe de novo para a agenda a questão do tempo excessivo e dos riscos
associados que que muitas crianças despendem com a ligação à net nas suas
múltiplas diferenciadas oportunidades, designadamente as redes sociais.
É uma questão que deve merecer a
reflexão de todos os que lidam com crianças e jovens embora não lhes diga
exclusivamente respeito, a net e o mundo de oportunidades, benefícios e riscos
que está presente em todas as suas potencialidades.
Para além dos dados agora
divulgados, segundo dados do projecto europeu EuKids Online, o uso continuado
da Internet repercute-se em 45% das crianças portuguesas com um dos seguintes
sintomas: não dormir, não comer, falhar nos trabalhos de casa, deixar de
socializar, tentar passar menos tempo online. Em termos europeus apenas a
Estónia tem um número superior, 49%. 17 % dos inquiridos revela a presença de
dois sinais, ter deixado de comer ou dormir para estar ao computador.
Há algum tempo tinha abordado
esta problemática a propósito das implicações do uso excessivo das novas
tecnologias no desenvolvimento de crianças e adolescentes, designadamente nos
hábitos e saúde do sono.
Um estudo recente realizado nos
EUA acompanhando durante seis anos 11 000 crianças encontrou fortes indícios de
relação entre perturbações do sono e o desenvolvimento de problemas de natureza
diferenciada no comportamento e funcionamento das crianças.
Esta questão, os padrões e
hábitos de sono das crianças, é algo de importante que nem sempre parece
devidamente considerada. Também entre nós, vários estudos sobre os hábitos e
padrões de sono em crianças e adolescentes têm sido desenvolvidos, segundo os
quais mais de metade dos adolescentes inquiridos apresentam quadros de
sonolência excessiva e evidenciam hábitos de sono pouco saudáveis. Esta
constatação vai no mesmo sentido de outros trabalhos com crianças mais novas. A
falta de qualidade do sono e do tempo necessário acaba, naturalmente, por comprometer
a qualidade de vida das crianças e adolescentes.
Várias investigações sugerem que
parte das alterações verificadas nos padrões e hábito relativos ao sono remetem
para questões ligadas a stress familiar e sublinham o aumento das queixas
relativas a sonolência e alterações comportamentais durante o dia.
Acresce, como os dados do EuKids
Online evidenciam, um conjunto de outros riscos decorrentes da utilização menos
regulada das novas tecnologias o que solicita alguma reflexão sobre hábitos e
estilos de vida dos mais novos. Um dos problemas emergentes e preocupantes
neste universo é a utilização das redes sociais e risco do cyberbullying que já
aqui tenho abordado. Segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos
15 anos terão computador ou televisor no quarto, além do telemóvel.
Acontece que durante o período de
sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de
um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar
de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e
distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar
num quadro geral de pior qualidade de vida. Creio que, com alguma frequência,
alguns comportamentos, sobretudo nos mais novos, que são de uma forma
aligeirada remetidos para o saco sem fundo da hiperactividade e problemas de
atenção, estarão associados aos seus hábitos e padrões de sono como, aliás, os
estudos parecem sugerir.
Em casa, têm durante muitas horas
um ecrã como companhia durante o pouco tempo que a escola "a tempo
inteiro" e as mudanças e constrangimentos nos estilos de vida das famílias
lhes deixam "livre". Também é verdade que a crescente
"filiação" em redes sociais virtuais possam “disfarçar”, juntando
quem “sofre” do mesmo mal e o tempinho remanescente para estar em família,
quase sempre ainda é passado à sombra de uma televisão.
De há muitos anos que se sabe que
não se cresce só, cresce-se na relação com pares e adultos. É por isso que,
embora entenda a expressão, ouvir chamar a este tempo, o tempo da comunicação,
me faz sorrir, acho mais apropriado considerá-lo o tempo do estar só ou a
assistir à solidão dos outros. Recordo a afirmação de um miúdo de 11 anos
colocada num desenho, "a minha consola é que me consola".
Estas matérias, a presença das
novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais.
Considerando as implicações sérias na vida diária importa que se reflicta sobre
a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível e
útil seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e
adolescentes.
A experiência mostra-me que
muitos pais desejam e mostram necessidade de alguma ajuda ou orientação nestas
matérias. Sabemos que estratégias proibicionistas tendem a perder eficácia com
a idade.
Creio que o caminho terá de
passar por autonomia, supervisão, diálogo e muita atenção aos sinais que
crianças e adolescentes nos dão sobre o que se passa com elas.
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