sábado, 15 de abril de 2017

EPPUR SI MUOVE

Em tempo de Páscoa e na véspera da vinda do Papa Francisco a Portugal a lúcida entrevista ao Expresso do Padre Anselmo Borges é oportuna, de grande significado e claramente indiciadora dos desafios que a Igreja enfrenta e dos males de que padece.
Na entrevista são frontalmente identificados os pecados da Igreja e um caminho de redenção. A questão crítica é a escolha da direcção a seguir, a continuação dos pecados e do imobilismo com a crença na absolvição ou a redenção que a renove. Apesar de alguma frescura nos discursos e comportamento do Papa Francisco não estou particularmente crente na mudança substantiva embora, mesmo como agnóstico, a julgue essencial pelo papel e significado que a igreja ainda mantém nas nossas comunidades.
A propósito das mudanças na Igreja, ou a sua ausência, considerando a referência que ainda constitui para muita gente, recordo que D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, afirmava em 2012, em entrevista ao JN, que a Igreja não está à altura do momento, está "atrasada" e não presta atenção às "transformações do mundo".
A afirmação de D. Manuel Martins lembrou-me o conhecido enunciado, "no entanto ela move-se". Ao que a história ou a lenda rezam, no séc. XVII Galileu Galilei reagiu com esta mítica afirmação à sua condenação no Tribunal do Santo Ofício pela defesa do modelo heliocêntrico, a Terra move-se em volta do Sol.
Do meu ponto de vista, a reconhecida perda da influência da Igreja Católica, sobretudo nos países mais desenvolvidos, deve-se também ao seu imobilismo, à forma conservadora como não reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando um progressivo afastamento da vida das pessoas, como reconhecia D. Manuel Martins.
Um dia, talvez a instituição Igreja aceite e perceba a importância e a necessidade de mudança no discurso e nas atitudes relativas ao divórcio e casamento, às uniões entre pessoas do mesmo sexo e adopção por parte destes casais, à anticoncepção, ao celibato dos padres, à abertura do sacerdócio às mulheres, o combate à ostentação visível em parte das estruturas da igreja, etc. Estas são justamente algumas das questões referidas pelo Padre Anselmo Borges na entrevista ao Expresso
No entanto, considerando o que se tem ouvido e é conhecido das intervenções da hierarquia da Igreja, não creio que, apesar de alguns comportamentos e discursos do Papa Francisco e também da significativa mudança de estilo face ao seu antecessor Bento XVI, seja de esperar um movimento de alteração significativa nas posições da Igreja sobre estas matérias.
Eppur si muove.

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