Em tempo de Páscoa e na véspera
da vinda do Papa Francisco a Portugal a lúcida entrevista ao Expresso do Padre Anselmo Borges é oportuna, de grande significado e claramente indiciadora dos
desafios que a Igreja enfrenta e dos males de que padece.
Na entrevista são frontalmente
identificados os pecados da Igreja e um caminho de redenção. A questão crítica
é a escolha da direcção a seguir, a continuação dos pecados e do imobilismo com a crença na
absolvição ou a redenção que a renove. Apesar de alguma frescura nos discursos
e comportamento do Papa Francisco não estou particularmente crente na mudança
substantiva embora, mesmo como agnóstico, a julgue essencial pelo papel e
significado que a igreja ainda mantém nas nossas comunidades.
A propósito das mudanças na
Igreja, ou a sua ausência, considerando a referência que ainda constitui para
muita gente, recordo que D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal, afirmava
em 2012, em entrevista ao JN, que a Igreja não está à altura do momento, está
"atrasada" e não presta atenção às "transformações do
mundo".
A afirmação de D. Manuel Martins
lembrou-me o conhecido enunciado, "no entanto ela move-se". Ao que a
história ou a lenda rezam, no séc. XVII Galileu Galilei reagiu com esta mítica
afirmação à sua condenação no Tribunal do Santo Ofício pela defesa do modelo
heliocêntrico, a Terra move-se em volta do Sol.
Do meu ponto de vista, a
reconhecida perda da influência da Igreja Católica, sobretudo nos países mais
desenvolvidos, deve-se também ao seu imobilismo, à forma conservadora como não
reage às óbvias mudanças sociais, políticas, económicas e culturais sustentando
um progressivo afastamento da vida das pessoas, como reconhecia D. Manuel
Martins.
Um dia, talvez a instituição
Igreja aceite e perceba a importância e a necessidade de mudança no discurso e
nas atitudes relativas ao divórcio e casamento, às uniões entre pessoas do
mesmo sexo e adopção por parte destes casais, à anticoncepção, ao celibato dos
padres, à abertura do sacerdócio às mulheres, o combate à ostentação visível em
parte das estruturas da igreja, etc. Estas são justamente algumas das questões
referidas pelo Padre Anselmo Borges na entrevista ao Expresso
No entanto, considerando o que se
tem ouvido e é conhecido das intervenções da hierarquia da Igreja, não creio
que, apesar de alguns comportamentos e discursos do Papa Francisco e também da
significativa mudança de estilo face ao seu antecessor Bento XVI, seja de
esperar um movimento de alteração significativa nas posições da Igreja sobre
estas matérias.
Eppur si muove.
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