quarta-feira, 20 de julho de 2016

OS TRABALHOS DOS DEPUTADOS

O Plenário de hoje da Assembleia da República encerra o ano parlamentar. Com chamada a primeira página o JN informa-nos que até hoje 9 deputados, 7 do PS e 2 do PSD, não realizaram uma única intervenção na Assembleia. Nada de estranho.
Estamos no início de férias, tempo marcado pela narrativa das sanções, a histeria da caça aos Pokémons ou as incidências do mercado do futebol mas, ainda assim, umas notas a propósito da prestação dos deputados.
Recordo que em Dezembro de 1014 o então "entertainer" político Marcelo Rebelo de Sousa, também conhecido por "o Professor Marcelo" divulgou uma carta de uma jovem, estudante do secundário, que numa visita de estudo ao Parlamento observou “Deputados o tempo todo a verem no Facebook raparigas avantajadas; outros assistirem a vídeos de quedas, aqueles que se assistem no Facebook e no Youtube para fazerem as pessoas rirem; uma vez três deles juntaram-se a rir para de qualquer coisa no computador e um a ver-se a si próprio num vídeo qualquer”.
O Professor Marcelo chamou a atenção para este péssimo exemplo dos eleitos da nação e recomendou atenção aos deputados quando observarem "raparigas avantajadas" com visitantes nas galerias. Há que ter cuidado. Assistiu-se a reacções de alguns dos digníssimos deputados que, aliás, se compreendem, não é coisa que se diga.
Este episódio é, do meu ponto de vista, quase irrelevante, qualquer de nós que utilizamos as tecnologias nos locais de trabalho visitamos páginas diversas, imprensa, por exemplo, sem que daí advenham compromissos do profissionalismo ou produtividade.
No entanto, julgo que é no interior do Parlamento que mais se ameaça a seriedade, a importância e a imagem que um Parlamento deve preservar num regime democrático saudável e não tem a ver com o uso agora revelado pela adolescente dos computadores nas sessões.
Assistir a algumas sessões e ao nível dos debates produzidos é, com frequência, um espectáculo deprimente. Os interesses dos cidadãos que os deputados representam são trocados pelos interesses da partidocracia de que os deputados se alimentam.
O recurso frequente à famigerada figura de "disciplina de voto" partidária é um ataque às consciências e, mais uma vez, à essência do papel de um deputado, representar os seus eleitores e não mostrar-se como um "yes man" que carrega no botão que lhe mandam sem um sobressalto de consciência ou de sentido ético. Nessas sessões torna-se claro que bastaria uma reunião da conferência de líderes para conhecer os resultados das votações, um deputado por partido seria suficiente para representar os resultados eleitorais. Aliás, a indecorosa narrativa das sucessivas Comissões de Inquérito sobre as mais diversas matérias que, invariavelmente, concluem pelos interesses de quem em cada momento governa, são um outro bom exemplo do descrédito a que genericamente esta gente condena a Assembleia da República.
O número de deputados no Parlamento transforma uma parte deles, existem evidentemente excepções nos diferentes grupos, num grupo quase anónimo que de vez em quando dá uma prova de vida com uma intervenção encomendada pelo líder parlamentar ou procuram dar nas vistas através da frequência, volume de decibéis e mau gosto dos apartes. O caso dos deputados que ainda “não abriram a boca”, seja por não terem nada a dizer ou porque ainda não foram autorizados é apenas mais indicador.

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