Segundo dados recolhidos durante
os primeiros meses de funcionamento de um novo serviço do Projecto Care da
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima direccionado para o apoio a crianças e
jovens vítimas de violência sexual em 48% das situações acompanhadas o
agressor era familiar da vítima.
Na verdade continua com uma
regularidade impressionante a revelação de casos de abusos sexuais sobre crianças
e adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares, amigos ou
conhecidos da crianças ou famílias e também instituições que lidam com as
menores como é o caso de instituições de natureza religiosa.
Esta circunstância decorre de um
aspecto que me parece fundamental não esquecer nunca e que os dados agora
divulgados sublinham de forma muito nítida. A maioria dos abusos sexuais sobre
crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em
instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão
tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente,
a acontecer com tem sido divulgado. Os indicadores sugerem que entre 70 a 80%
das situações de abuso a responsabilidade é de alguém que a criança conhece e
em quem confia.
Apesar das mudanças verificadas
em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada, na criação de
uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam
expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com
base num sentimento de posse e usufruto quase medieval. Muitas crianças em
situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a
culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o
facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade
eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez
que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam
confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos
que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais
casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da
eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que
as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da
educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo
se passa com eles.
Esta atitude de permanente,
informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do
meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre
as crianças e o enorme sofrimento provocado.
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