Na sequência do manifesto “Pela
Escola Pública” assinado por vários blogues, decidiu-se que todos os meses se
debateria um assunto comum lançado a partir do blogue ComRegras. Este mês, o
tema é "as férias escolares".
A questão é recorrente, e
naturalmente, sazonal, não há aulas e agora? Como mais um contributo para o
debate, umas histórias perdidas num tempo, aparentemente, sem retorno.
Neste tempo de férias coloca-se o
habitual problema das famílias com gaiatos pequenos, onde deixá-los, tema que
ainda hoje veio à baila numa conversa.
Como sabemos, esta questão é
relativamente recente e, ainda que em generalização, afecta sobretudo as
famílias de áreas mais urbanas. É também nestas zonas que privilegiadamente tem
vindo a emergir uma oferta de actividades, equipamentos e espaços
sofisticadíssimos, com designações curiosas que, para além de ocupar as
crianças, ainda se propõem contribuir para que os miúdos acedam a níveis
extraordinários de desenvolvimento e competência nas mais variadas áreas, pois
os miúdos de hoje têm de ser fantásticos e excelentes em tudo.
Quando eu era gaiato, antes do
desenvolvimento ter tapado as quintas com prédios deixando como espaço livre o
alcatrão, a oferta para os miúdos era basicamente constituída pelo mais
acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida ainda tão
tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na
rua.
As actividades não eram muito
sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas
divertíamo-nos a sério, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite, nas
férias. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que
nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo
fizeram-se ao trabalho.
Mas ainda arranjávamos tempo para brincar,
naquela época o tempo era mais barato e havia mais.
Nessa altura os miúdos ainda
podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras
bactérias, os nossos pais também ainda não excelentes e fantásticos.
Muitas das actividades eram, por
assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras.
Algumas delas, já aqui falei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje mas eram
o máximo, a sério.
Andar horas de arco e gancheta em
exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco
acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar
hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos roubada no café e
com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, são alguns exemplos.
Fazer tiro ao arco com arcos
feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas
variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do
lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às
escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas
que fazíamos nos nossos tempos livres.
Nesse tempo havia tempo livre, os
miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.
Às vezes não. E se com a necessária precaução devolvêssemos os miúdos à rua?
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