Em mais um caso
da indomesticável violência doméstica uma criança foi baleada pelo pai porque,
aparentemente, se interpôs entre ambos em mais uma cena de violência familiar.
Este episódio com consequências
severas, a criança continua em estado grave, ilustra dois fenómenos
inquietantes.
Em primeiro lugar porque vai no
sentido referido em sucessivos Relatórios da Comissão de Protecção de Crianças
e Jovens de que a exposição da criança a comportamentos de violência continua a
aumentar sendo um dos mais frequentes motivos para a intervenção das Comissões.
Como minimizar o risco de episódios desta natureza?
Por outro lado, os episódios
graves de violência doméstica parecem não ter fim.
Acresce que o mundo da violência
doméstica é bem mais denso e grave do que a realidade que conhecemos, ou seja,
aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos,
é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde
muitas mais situações.
Por outro lado, para além da
gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios gravíssimos de
violência doméstica é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados
em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas
entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes
remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a
comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo
violência.
Importa ainda combater de forma
mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante
menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou
“tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem
relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à
separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço
de tortura e sofrimento.
O resultado é a alimentação de
uma percepção de impunidade que se conjuga com um sistema de valores que ainda
“legitima” a violência doméstica, que a entende como “normal”.
Tudo isto tem como efeito a
continuidade dos graves episódios de violência que regularmente ocorrem, muitos
deles com fim trágico.
Nesta perspectiva, torna-se
fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco, dos adultos mas também das crianças, e de apoio como instituições de
acolhimento acessíveis para casos mais graves e, naturalmente, um sistema de
justiça eficaz e célere.
Como em outras áreas de
problemas apesar do que já foi feito existe um enorme e difícil caminho por
percorrer.
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