terça-feira, 5 de julho de 2016

DAS PRAXES

Um grupo de pessoas de diferentes sectores de actividade dirigiu uma Carta Aberta a todas as instituições de ensino superior sobre a questão das praxes, dos abusos que regularmente se verificam e da necessidade de encontrar alternativas a estas práticas.
O alerta parece oportuno e justifica-se. Daqui a dois meses inicia-se um novo lectivo e apesar de algum abrandamento que creio notar-se nos últimos anos lá teremos os velhos problemas das velhas praxes que, aliás, em muitas academias não são assim tão velhas, são uma prática relativamente recente.
Julgo que autoridades académicas e directivas das instituições têm um papel de evidente importância na questão das praxes mas prefiro que a sua regulação e discussão se faça, sobretudo, através dos próprios estudantes. De facto, as mudanças necessárias deveriam ocorrer não de uma lógica proibicionista das direcções ou da tutela, de recomendações da Assembleia da República, ou da da chamada sociedade civil, mas das iniciativas dos estudantes. É isso que se deve esperar de gente adulta e, espera-se, autodeterminada.
Como regularmente aqui afirmo partindo de um conhecimento razoavelmente próximo deste universo, a regulação dos comportamentos nas praxes tem-me parecido indispensável. Parece-me ainda importante que os dispositivos de regulação das praxes integrem o respeito por posições diferentes por parte dos estudantes sem que daí advenham consequências implícitas ou explícitas para a sua participação na vida académica que, frequentemente, não sendo "enunciadas", são, evidentemente, praticadas.
Os repetidamente referidos "Códigos de Praxe", nas suas diferentes designações, não parecem suficientes para inibir abusos dos comportamentos e as consequências negativas sobre os não aderentes às praxes.
Na verdade, de forma aparentemente tranquila coexistem práticas muito positivas, genuínas intenções de convivialidade, tradição e integração na vida académica com boçalidade, humilhação e violência sobre o outro, no caso o caloiro, a “besta” como elegantemente é designado. Tenho assistido e todos temos conhecimento de cenas absolutamente deploráveis por mais que os envolvidos lhes encontrem virtudes.
Apesar dos discursos dos seus defensores, continuo a não conseguir entender como é que, a título de exemplo, humilhar rima com integrar, insultar rima com ajudar, boçalidade rima com universidade, abusar rima com brincar, ofender rima com acolher, violência rima com inteligência ou coacção rima com tradição. Devo, no entanto sublinhar que não simpatizo com estratégias de natureza proibicionista, sobretudo em matérias que claramente envolvem valores.
Quando me refiro a esta questão, surgem naturalmente comentários de pessoas que passaram por experiências de praxe que não entendem como negativas, antes pelo contrário, afirmam-nas como algo de positivo na vida universitária. Acredito e obviamente não discuto as experiências individuais, falo do que assisto e conheço.
A minha experiência universitária, dada a época, as praxes tinham entrado em licença sabática, por assim dizer, foi a de alguém desintegrado, isolado, descurriculado, dessocializado e taciturno porque não acedeu ao privilégio e experiência sem igual de ser praxado ou praxar. Provavelmente, advém daí a minha reserva.

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